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Cardilium

Cardilium

Serra anunciada

Promontório,

Elevada serrania,

Luz da noite,

Verde Maria.

 

Cheiro crasso,

Tal espaço,

Dorme a cidade,

No vale em baixo

 

Ceio a tua boca,

A tua elegância,

Amasso o teu corpo,

A tua fragrância,

 

Cheira rupestre,

O teu corpo,

Incendiado no meu,

Da parte faz-se um todo.

Sines de mar

Voo distante e difuso num continente submerso e límpido de cores vivas e fugazes. Fins atingidos pelos princípios e pelos meios. Uma estrela encaminha a minha vil emoção e a minha sacrossanta fé. Dúbio, escuto as palestras que me entram sem autorização sala adentro. Em segundos como que tendo molas salto e faço off ao mundo. Necessito manter-me sóbrio e a estatística não me ilumina.

 

Jamais seria o que sou, senão tivesse sido o que fui. Ter sido o que fui, faz de mim o que sou hoje. O passado é então o pronuncio do futuro e o presente património do passado.

 

É cada vez mais clara a minha certeza de ser emocionalmente descoincidente. De ser um bravo e soldado, um guerreiro temporal e não rendido, um insatisfeito lutador de, e por mim. Jamais me renunciarei. Encho de vida cada dia mesmo de inaptos sentires. Intenso, passeio-me em marginais de luz, observado pelo mar que rebenta em estouro no meu peito. Vibro. Caminho.

 

A vida que não sei existir é o prelúdio desta que vivo. Violinos tocam descalços com um olhar perdido gemendo à porta do paraíso, espiados pelo castelo numa praceta que se desertificou numa noite. O violino que ouvi chilreava as músicas do mundo antecedidas. Foi verão. Mais tarde foi solidão. Uma presença mentida, de uma verdade desacreditada. Um verbo conjugado no condicional feito de um mês inventado num ano pagão. Envenenadas noites em cantadas e desencantos. Alegoria de uma esperança presente que não se esgota na desilusão.

 

Creio no azul do céu e no céu negro da noite. Creio nos muros caiados de branco defronte para o mar. No fresco da capela e da palmeira. No horizonte que se perde de vista. Na relva temperada onde me descanso. Nas noites encharcadas de pinhal e no sorriso crente da infância. Amanhã rezarei a minha oração ao acordar. Agradecerei possui-me assim…. Eu.

                                   

Dependurado

Um texto sobre mim disseste-me: cuidando porventura que me era difícil escrevê-lo. Tenho existido nos últimos vinte anos debruçado sobre mim. Sobra as minhas características, qualidade, defeitos, possibilidades, angustias, credos, mudança, sobre a modificação evidente, da necessidade atroz de me entender, de encontrar o significado existencial, pragmático e espiritual, da energia, vibração e intensidade que me conduz e ilumina.

 

Simplificando, entendi o adormecer e o acordar, os olhos que me vêm mais que os meus próprios olhos. As minhas cores mais que as cores das coisas. Os sentires que me adequam e ajustam. O entendimento das palavras dos outros. O ambiente externo que me habita. Os meus passos, sonhos e realizações. A minha cobardia e as dos demais. A trafulhice eminente e sexual. O desperdício da vontade. Os adiamentos. As concretizações intrínsecas, a minha intra pessoalidade. O estatuto das pessoas e a falta dele. As desilusões e as ilusões. O mar, a terra, o fogo, a chuva, o ar, o amanhecer, o entardecer, a maresia, o nevoeiro, o vento, os lábios, o coração, a demência, a mente, a lucidez e o coração. As viagens, os trilhos e os caminhos. As montanhas enfeitadas de moinhos e as ilhas inacessíveis. Entendi os meus pais. A minha filha, o meu programa espiritual, a minha alma. Entendi a importância de ter nascido, como foi relevante e alterou a vida dos meus pais. Entendi vinte cinco anos depois, quando a minha filha nasceu e me alterou para sempre.

 

Saboreio agora em paz o sal de uma lágrima, da mesma maneira prazeirosa com que sorrio, ao ver saltitar um pássaro pousado na minha frente, dependurado no meu coração.

ADN

Vira-se-me o barquinho cheio se emoções num mar de lua forte. Vagas que não me deixam adormecer saboreiam a minha insónia. A água que cai da chuva junta-se à água que se deposita nas poças. A estrada que corta ao meio a serra, esconde o mistério que faço por entender. No alto enfeitam-se agora pás grandes de moinhos que fazem a luz brilhar no sopé da montanha, em casas que deitam fumo com cheira a família. No meio do temporal emocional habito-as sem lhes pertencer. Há dias atrasado ouvi sons de animais nas moitas que se contorciam de espasmos.

 

Existem em mim sim pensei, não sempre, mas existem. Existe um cadeado com um código que desconheço. Existe um gnomo, um duende e um anjo. Um genoma indecifrável, um ADN por descodificar. Faço mais do que falo. Faço mais, do que digo fazer.

 

Cansado espreito-me lá à frente e chamo-me. Afago-me e retempero as forças que gasto para não sentir, mais do que pensar. A planície descansa plena.

 

Alturas há, em que vejo o castanho da terra de laço e fraque a dirigir uma orquestra, onde os pinheiros são contrabaixos, os sobreiros saxofones e as giestas percussões, vejo as cegonhas num esplêndido voo picado dançarem com as cegonhas que planam calmamente mais no alto. Imagino. São namorados. À noite irão dormir abraçados e enumerar os segredos do dia. Quando a orquestra se calar. Mas a orquestra é a natureza e não se calará nunca, calar-me-ei eu em primeiro.

 

Ando de volta do Empreendedorismo e apetece-me escrever, escrever, escrever, sem consultar mais nada nem ninguém. Já tenho opinião que baste e dados que me desbastem. Não quero saber mais de Inovação, nem do Social.

 

Quero mesmo é afogar-me no mar e sepultar-me debaixo das ondas que me embalam.

 

Quero ser mar e neblina condensada. Quero ser. Finalmente ser.

O momento

Ventre azul como o firmamento desconexo. Raios da cor de laranja formam nuvens como gomos. De presença mistura-se a natureza. Adivinha-se pela cor cinza iluminada, a chuva que seca a terra e refresca de paixão a alma. O vento leva-me desconhecido a um sítio ermo. Assim, sempre que possa quero ir, ser e estar. Pesa-me o pensar que não me deixa adormecer. O pensamento faz-me andar rápido entre a floresta feita de árvores.  A noite está a caminho e de encontro a mim. Espero-a sentado numa pedra de musgo e entretenho-me a descascar da pedra fria o verde quente. Nas minhas unhas ficam pedaços de terra que limpo com a caruma adormecida no chão. Deslocam-se na terra movimentos que escuto sem os ver. Numa insónia de ausência, acordo-me depois de me embalar. Tantas vezes cruel, tantas vezes sujo, tantas vezes adormecido em braços alheios, em camas envenenadas, em festins de silêncio, em silêncios atraiçoados, em lugares abstractos, sem nome, sem mim mesmo feito de presença, sem sono, nem verdade, nem vontade. Vou banhar-me no rio gélido e purgar-me desta presença envenenada de solidão. Vou dar uma volta e regressar ao abraço confortável por descobrir. O momento presente subtrai-se ao próximo, imparável.

Deixo-me na areia !

Um profundo pensar,

Invade-me sem autorização,

É visceral.

O meu coração? Tem dó!

Sinto as tripas,

Feitas laço e nó.

 

Borboletas aos pedaços,

Cor forte,

Afrodisíaco,

Envolve-me um bailado,

Ameno e paz,

Mais que Cristo.

 

E na areia deixo os pés,

Que o mar vem apagar,

Embriagado.

Descalço,

Na água salgada,

Faço-me embalo.

Fado

Neste azul bordado em mim não resta nada....

 

Perguntaste-me se gostava de fado...

Respondi-te:

- O fado é bonito. É bonito por ser complexamente desproporcional à simplicidade do que resta luso nesta nação. O fado tem na morte a vida. O fado tem gestos, sabores e magia. Tem uma vontade terrena de algemar os amantes. Tem solidão e lágrimas de esquecimento. Tem Portugal-idade (leia-se portugalidade) e esperança. Tem desenho e projecção de imagem. Tem estatuto, é clássico e contemporâneo. Gemem os olhos fechados e é aberto e orgasmico.

 

Disseste-me, como assim:

Respondi-te com calma depois de um respirar aprofundado:

- O fado tem fascismo e liberdade. O fado é bem e é do povo. O fado nada tendo, é farto. O fado é arte. O fado junta nas palavras, lágrimas e sorrisos, paixão e descarte, amor e perda. O fado tem a métrica da matemática, o encanto da poesia, e a questão filosófica de um povo. O fado é menor por assim serem os seus acordes, é maior porque se eleva, é dominante e diminuto, é sustenido e bemol.

 

Olhei-te com os olhos rasos de água e continuei:

- O fado sou eu, és tu, é a história. É histórias e promessas. É o desencanto da desilusão, e a proeminência do futuro que nos convida. O fado tem mar, descoberta, viagem, paisagem e demoníacas sensações de um Deus estafado mas crente. O fado tem crianças e idosos. Tem cumplicidade. O fado tem revolução e liberdade.

 

Revolução? Apregoaste!

Não te olhei e continuei ouvindo-te:

- Tem excertos. E tem Manuel Alegre, Alexandre O´ Neill, Zeca, Amália, Camané e outros brilhantes. O fado tem Africa e as Américas. O Fado tem mil anos. O fado terá eternidade nos seus versos. O fado não será dançado pelo sócrates e pelo coelho. Esses dançaram o tango da traição.

 

No seu chorado cantar, na sua alegria triunfal, o fado será o País nos teus versos.   

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Sem trilho ou caminho, sem bússola ou astrolábio, fiz-me ao destino. A noite já sobe no horizonte irrompendo pelas nuvens pousados no céu. O vento sopra de uma forma não sentida mas pressentida. É como se as cidades tivessem morrido de tão adormecidas que estão. Das fogueiras acesas já só restam as brasas. Vejo o teu rosto belo e mágico. Tudo é silêncio e ruído. Paz e guerra. Tempestade e bonança. Noite e dia. Homens e mulheres. Voz e grito, solidão e presença. Caminho sob as folhas estaladiças da calçada que povoam a floresta até à montanha. Adormeci. Adormeci a meia viagem para retemperar a alma. Nos subúrbios do meu ventre, num dilacerado frenesim, cantam querubins. Uma improvisada melodia que me embala a cada passada, sucumbe à madrugada enfeitiçada. Enfeito-me de perfumes coloridos. Continuo bosque fora. Enquanto caminho revisito-me. Vejo-me numa escadaria que verte água e humilhação. Um querer que não sabe o caminho. Vejo uma luz cega de um farol que brilha entre as árvores e me guia incandescente. Vejo-me nascente e renascido de uma nova forma de vida. Sinto a alegria da liberdade de escrever a história da minha vida, numa folha infinita de palavras e sorrisos. Vejo-me em forma de abraço apaziguado e sereno. Fera domada e ausente de olhar perdido e encontrado no final do percurso.

Ai Deus o é !

A lucidez quando é clara,

É trocada com confusão,

Como uma pérola perdida,

Cálculo feito equação,

Trama e cala quem não entende,

Ser lucidez a paixão.

 

Se x é o quadrado de y,

E y a raiz quadrada,

O amor sereno é calma,

Aos olhos da minha amada,

Que faz do desvio padrão,

A presença alterada.

 

Cobardia emocional,

É ser lúcido e actual?

Não fazer da afinidade,

Verdade, palavra e mentira,

Mentindo dizendo a verdade,

Deste fogo que me abrasa.

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