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Cardilium

Cardilium

Acendido

Floresta por fora,

Deserto por dentro.

 

Imensidão de alma,

Claridade.

 

Espírito colorido,

Criança.

 

Aprendiz de dolo,

Feiticeiro de lagos.

 

Verde plano,

Historia por inventar.

 

Flor de paz,

Braço de ferro.

 

Droga,

Sanidade insensata.

 

Muro derrubado,

Mentes abertas.

 

Certo e errado,

Deslumbrante.

 

Deserto fechado,

Acesa floresta.

 

...ia ao mesmo que eu

Entro na igreja fresca e sento-me apenas a olhar. Respiro o fresco que os frescos manuelinos replicam. Vou à procura de uma fé que sei existir mas que sinto ser mais do que a ironia herege que sinto. Peço um sinal, uma direcção. Castrado pela fé pecadora induzida no minúsculo ser ainda moldável, não creio no que aprendi no catecismo bizarro e pouco eloquente. Creio nos sinais já experimentados e feitos de improváveis factos e coincidências. Ali sentado e só, não me creio. Já não creio no vulcão em que o meu pensamento se tornou. Na minha existência descobri que fiz mais do que julguei conseguir realizar. Que tive forças quando me julgava exausto. Que recuperei o animo quando o desespero era predominante. Que reconquistei verbos já não conjugados. Que amei já morto de sentir. Que senti já ressuscitado momentos não escolhidos, ofertados pela hora errada e o sitio errante. Que transformei cores e tornei terra árida em terra fértil. Que me devolvi à prostituição intelectual e avassaladora de uma dependência incongruente e deformada, como se uma substância química e alienada me devolvesse à procedência, e, assim se pudesse transformar a carne em pó antes do tempo.

 

Antes do tempo?

 

Sim antes do tempo, porque tudo tem um tempo. Porque tudo tem o seu tempo. Essa medida castra e escrava. Não o entendendo ele entende-me tão bem. Os figurantes daquele altar intimidam-me, e fazem-me crer no sacrilégio que são os meus pensamentos. Os meus pensamentos sexuais. Os meus pensamentos ancestrais e de natureza humana, racionais e normais, ali expostos ao altar e ao silêncio do fresco e da humanidade, fazem de mim um monstro obsceno e por purgar. Purgo-me no purgatório que me fizeram crer, ser o meio caminho para o céu e a salvação, e que eu acredito ser a outra metade, do outro meio caminho para a perdição e o inferno.

 

Reflicto.

 

Concluo que nem eu sou tão promíscuo e desordenado, nem o inferno é tão avassalador, e assim sendo, nem o céu tão sereno. Ergo-me lentamente e solto um respirado mais que expirado momento. Levarei comigo aquele fresco que me encheu de sossego a minha loucura e a minha insanidade em doses iguais. Que me ajustou de igualdade à forma natural que é ser vivo, humano e espiritual. Senti-me igual. Na minha saída estava a entrar uma mulher. Uma mulher de negro de lenço atado à cabeça que me sorriu. Ia ao mesmo que eu, pensei. Ia ao fresco Estava de negro cálido e transparente na face. Lembrei-me das pessoas que queria abraçar em seguida e daquelas que queria que me embalassem de afagos com olhar naquele acordar sorrindo e ganho. 

Quando me enfastiam as avenidas

Quando me enfastiam as avenidas,

Povoadas de gente e de ninguém,

As luzes trémulas ausentes,

Já não dou nem três vinténs,

Das almas penadas que caem,

E os Outonos que nas árvores jazem.

 

As pedras calcetadas,

Nos caminhos encetados,

O mar bravo sossegado,

A lua cheia armada,

Neste Junho já finado,

E eu? Eu aqui quebrado.

 

Estes nacos de solidão,

Em noite quente de verão,

Outrora foram ilusão,

Palavras de mão em mão,

Gritos de paixão,

Corpo meu em exaustão.

 

Agradeço assim passar e não ser visto,

Mesmo assim não desisto,

Das coisas por fazer,

Misturo o que sinto no verde,

No rio que ferve e passa,

Na avenida enfastiada.

 

PS: Estas palavras não foram escritas segundo o novo acordo ortográfico.

É fixe

Na verdade o caminho só se faz caminhando e para saber o que custa fazê-lo, só calçando os sapatos de quem o fez e palmilhá-lo.

 

O outro lado dos alunos é o professor e ensinar (bem) tem muitas horas de trabalho e dedicação por trás. Falar quatro horas para quem não nos quer ouvir é trabalho árduo. Chamar as pessoas para a sala, quase ter a obrigação de ser entertainer para os sentir ali, participativos, a quem como é o caso, só quer um papel que diga que têm, que fizeram, que possuem, é dose. Ou se gosta ou não se gosta.

 

Eu gosto e foi esta a ultima descoberta que fiz.

 

Gosto de pessoas (isso não é novidade para mim embora a minha rigidez latente), gosto de dividir, de dar, de inventar formas de fazê-lo, de o fazer com humor e amor. Ter a capacidade de trabalhar, das 08.30h ás 23.30h é novo, e torna-se no meu alterador de estado de mente e demente preferido. Deitar-me numa cama ás 00.00h e nem ter tempo para adormecer porque adormeço mesmo antes de adormecer, “é fixe”.

Estória da História

Regressei ás ruas onde vagueei. Deambulo de olhar perdido e fascinado. Está tudo diferente. As casas velhas não existem e fizeram uma estrada a meio. O Mário, o Alentejano, o Chico, e a Russa cabeleireira de voz grossa estão na prisão, e os outros no cemitério. Saí agora da escola. As aulas correram bem e os alunos assimilaram bem o conhecimento, a informação e a comunicação. Vejo-me agora aqui perdido nesta hora tardia no bairro onde pensei falecer. Estou muito mais vivo que morto. Pertenço aqui mesmo pertencendo a outros sítios também. Por vezes penso que tudo é uma época, uma fase, e que ciclicamente a vida se retorna. Lá em baixo, os prédios coloridos não têm a cor das barracas destruídas nauseabundas e escuras, feitas de um estranho conforto que me abundava e bastava à época. Assustadora esta parte ainda vigente em mim. É como se a adaptabilidade fosse mais um sentido meu. Na verdade a inadequação e a adaptabilidade são duas partes distintas de tão iguais se parecerem que coabitam em mim. Recordo o meu pai de ar fechado e sofrido esperando-me no carro no largo da fonte, no cimo da ladeira, de portas trancadas, e a minha mãe no banco de trás deixando livre o lugar do morto para mim. Era assim que ela me via, morto. Eu chegava, entrava, sem que nenhuma palavra se soltasse ou recebesse. Havia um rádio no carro que não se ligava, não fosse algum discurso, noticia ou som, quebrar aquele silêncio de velório. Os cafés agitados de pessoas iguais mantinham-se em formigueiro. O fugas gritava à entrada de um qualquer estranho que se aproximasse, e as pessoas sem expressão quedavam-se, tal qual como no ensaio sobre a cegueira, retrato próximo do quadro anil que descrevo. A loucura imposta de normalidade era norma e regra. Os putos em desenfreadas brincadeiras ali cresciam ao sair da escola, eram os do bairro, estavam destinados e tinham garantido o futuro, futuro diferente dos do bairro acima do cemitério.

 

Como pode uma centena de metros mudar a vida?

Como pode uma centena de metros, separar a vida da morte, sendo a morte vida e a vida tão próxima da morte. Era assim o bairro onde morto me senti vivo, e onde hoje me habito, muito mais vivo que morto.

A minha oração

Fica formosa a praia à noite salpicada de bóias florescentes dos pescadores junto à barraca do Abílio, aquele amigo que mesmo visto de tempos a tempos me faz sentir que o tempo não nos separa. Que me faz sentir que o tempo quando provido de conteúdo um dia, jamais será intemporal.  Regressei esta madrugada a este pedaço de mar moreno, onde a espuma se evapora na areia. Onde as ideias varridas de preconceito são incandescentes e os raios de luar e as estrelas de fogo no firmamento são inventadas e coloridas. Onde o passado é presente e as dores da privação antiga são recordadas. Onde é ardente e fogoso o meu desejo e o meu peito bate descomandado pelo descompasso das ideias. Descompensado e bruto jaz o areal debaixo do farol, que numa iluminada luz esclarece mar adentro num código em feixe de luz, que não me canso de observar. O mar, a noite, o céu e as nuvens confundem-se. Na madrugada não destrinço onde começa um e acaba outro. A lua de quando em vez irrompe iluminada. No céu as nuvens dançam empurradas pelo vento. Rezo para que os meus inimigos vivam felizes e de saúde longe do meu mar. Os meus amigos? Tenho-os ali na minha oração. Não crente, acredito nas sinergias que me invadem. Nasci para ser luz raiada de arco-íris. A poesia que me invade os poros é saborosa e coerente. Ao invés, multiplicam-se sensaboronas vozes que gritam ecos mudos de umas filosóficas questões, que não encerram nem empíricos conceitos, nem fundamentadas decisões. E assim me abato na minha oração.

Dias há em que encontro as coisas todas fora do lugar

Dias há em que encontro as coisas todas fora do lugar. São dias em que avanço, sonho e evoluo. Questionar-me por dentro das horas de mágoa ajuda-me a entender os sinais e respostas do tempo. Por vezes, os dias vindos do nada são tudo o que tenho e guardo. Analogias metafísicas ou sensoriais desacautelam-se nos horizontes vermelhos do pôr-do-sol. Alegorias do meu ser fecundam vidas do meu alter-ego.

 

Sinto-me só. Alimento a solidão e arrisco a enfrentar-me. Os meus gostos não comuns, celebram-se de forma antagónica ao meu círculo. Um círculo nem sempre é circunferência, porque tem lados e pontiagudos ângulos inacessíveis às formas geométricas com que me deambulo, entre a folhagem almofadada da terra que piso. O direito à diferença diferencia-me e torna-me torneado e esculpido sem igual. Assim como torna todos os outros que me rodeiam.

 

Cada vez mais só, construo-me mais que as noites encostadas a um balcão não escolhido em troca de olhares perniciosos e desprovidos. Tenho que fazer, e não tenho espírito para rir sem motivo, ou chorar sem sentir. Prefiro-me à genuinidade com que me cultivo e colho. Num qualquer café-concerto cheio de gente e vazio de pessoas, aguento a presença dos mesmos minutos que roubei a mim próprio que são praticamente nenhuns.

 

Como tal, devolvo-me como um envelope enganado à procedência e cuido-me. É assim o ser que encontra as coisas fora do lugar e se encaixa no lugar que decide dar aos seres que o habitam, sem dramas ou falsas questões filosóficas. É assim porque é assim. Massacra-me apenas o desconhecimento atroz que se instala entre conhecidos a troca de coisa nenhuma.

A vinte de Junho nao te deixo

Os rios correm no céu. Todos passamos de bestiais a bestas com a morte, é a instantânea hipocrisia latente. Fizeste-lo em vida, divergente e pensante. Estavam “muitos” mais presentes, que aqueles que gostarias que estivessem. Era escusado. Podiam estar “todos” nos Açores com os outros, não haveria qualquer problema. A ignorância que o regime ditatorial deixou neste País mantém-se. Pessoas como tu incomodam. Fazem pensar, acrescentam conhecimento e melodia ás palavras. Como tal não são útil ao capital e capitalistas. Li-te, reli-te. Irei continuar a fazê-lo, não porque morreste, mas porque estás vivo em mim, como os salgueiros das margens do Almonda da Azinhaga, e os pescadores avieiros que te embalaram nesse nascer cristalizado de vida que não acabará nunca.

 

Ouvi numa tv que o Nobel tinha sido atribuído ao livro “Intermitências da Morte” mete-me nojo tamanha barbaridade. Fico sem palavras para tamanho... não tenho palavras.

 

NÂO FOI.

O NOBEL FOI ATRIBUIDO A TI, À OBRA-PRIMA DENOMINADA “MEMORIAL DO CONVENTO”, ESCRITO DE UMA JANELA EM FRENTE AO CONVENTO DE MAFRA, COM UMA FORÇA INEXPLICÁVEL POR DETRÁS....

 

As palavras por vezes só atrapalham guardo-as para mim

Obrigado José Saramago por tudo.

Enquanto morrias eu escrevia.

 

Não morreste porque vives.

 

És imortal tal qual o teu deus questionado.

 

Equitativo lutaste por uma diferença que não interessava que fosse pensada.

 

Um homem de essência é um homem que faz os outros homens questionarem-se.

Um ataque é uma elevação intangível para os críticos.

 

Nobel???

 

Neste País o que é isso?

 

Coisa pouca neste País de miseráveis sem escrúpulos vendedores de pedaços desta nação que amaste.

 

Vive em paz Saramago. Vive em paz porque é vivo que estás.

 

Muitos daqueles, os dos outros, dirão agora que eras diferente, bom, muito bom especial blá blá blá blá

 

Obrigado José Saramago por tudo.

 

De nascente para nascente

A foz são duas nascentes abraçadas. Uma que corre para sul e a outra que aflui do norte, sem norte ou direcção. Encontram-se e ali mesmo se despojam e amam. Depois, desabraçadas fundem-se e seguem juntas de mão dada. Juntam o sal lacrimal e as ondas de emoção. Tornam-se mar.

 

A montante foram água doce, a jusante sal e alto de mar. Foram corrente antes de se tornarem maré. Enseada antes de serem baía. Calma antes de correria. Ancoradouro antes de porto e enlaço antes de abrigo. Segurança antes de fuga. Juntas fazem do mundo nascente e foz, foz e nascente, e não se sabe onde começa uma e acaba outra, ou onde ambas se inebriam num ser.

 

Calcorreiam estradas de fogo em noites de lua cheia de amantes. Ouvem os uivos de amor que brotam das encostas nas noites loucas de paixão. Entre as serras que fazem das margens um percurso impensado mas escolhido. Das escolhas feitas, caminham de mãos dadas e abraçam-se. São espelhos de Narciso, inspiração de poetas, prazer de corpos lavados, peixes que bailam, leito do vento, segredos de madrugadas e acordares de nevoeiros. Desprovidos de bens, comprovam a felicidade empática do nada ter e do muito ser.

 

Nem mesas, nem cadeiras nem decisões obvias, nem adiamentos. Nem ajustamentos sensoriais. Nem ilusões carregadas de desilusões negadas pelo medo da experimentação, do tanto que a solidão tem no crescimento. Antes da solidão existe a companhia benigna e serena de nós mesmos. Tanto que me diz a foz e a nascente, mesmo sem saber qual é cada uma delas, afinal exteriorizada.

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