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Cardilium

Cardilium

Sofazando IV

O tempo em forma de hospício e perjuro é pesado nos meus ombros gastos e doridos. As minhas mãos rudes mas fartas de carícias acumuladas gritam amor. O tempo faz com que o amor entendível e sarcástico se esconda enlaçado, como nós de gravata que me desconfortam e sacrificam.

 

Não existirá nenhum poema que me deprima ou alegre, tal como as palavras sublimadas e distantes que me ferem a alma, tanto como a boca de quem as vocifera. Redondo este vocábulo incandescente apaga-se ao nascer e falece ao ser sepultado na rocha cravada e sobranceira ao mar. As cinzas perpetuam a existência, o pensamento, as questões permanentes mais que as existenciais e as respostas adiadas e esperançosas de um tempo inexistente e crasso de vida.

 

A ambivalência é uma oportuna e avançada forma de ser, é uma dúbia forma de estar encarada pela solidão, presença e ilusão. A soma das partes nem sempre é o somatório de um todo ou um todo o divisível das partes.

 

Dentro do meu peito existe como na babilónia um jardim suspenso, um mar salgado, um deserto por habitar, um nevoeiro que me esconde, e um poema que me mostra. Dentro de mim existe vida. Ser-se, é tão mais forte do que o adiamento feito de medo e cobardia do desconhecido. Enfrento-me. Carrego-me. Por isso os meus ombros negros, gastos e doridos, elevam-se ao caminhar.

 

O meu coração está seco de dor, habitou-se, é agora uma fonte de vida. Uma fonte que me alimenta. Uma nascente de certeza de conseguir carregar-me, levar-me e elevar-me.

 

A luz fica acesa não precisam bater, é só entrar.

A verdade e a beleza

Confunde-se beleza com verdade.

Na sociedade contemporânea a beleza dá estatuto.

A verdade retira-o, é incómoda e desinteressante.

Confunde-se competência com beleza e beleza com empenho.

Confunde-se verdade com decote e pernas com capacidade.

Confunde-se salto alto com agilidade mental e compromisso com sedução.

A verdade é um conceito desprovido frívolo e clássico.

A beleza é uma mentira contemporânea.

A beleza tem supremacia com a verdade.

A verdade está em desuso.

Na moda estão comissões de inquérito e ética.

A verdade é um glaciar em degelo.

A beleza é um processo de estupidificação em crescendo e vigente.

Confunde-se beleza com verdade, retirando à verdade a beleza que ela tem.

Como diz a canção “..a verdade apanha-se com enganos…”

Acordei com um beijo suave na testa

Estremunhado e espreguiçado espreitei os raios violeta da alvorada que me iluminavam. Cegou-me uma luz estranha que me acordou. É como se um arauto me tivesse beijado suavemente a alma e me quisesse dizer qualquer coisa que a manhã desconfortava.

 

Terá sido um sonho?

 

Senti a fronte beijada suavemente e a minha mão tocada por Deus. Estranhava a paz do dia nascente, a harmonia, e o cheiro da terra. O assobiar do canavial monocórdico.

 

Os pássaros multicolores e as desconcórdias suavam-me a consonância e melodia. Pressenti a morte como continuação da vida e não tive medo, não queria adiar a chegada nem apressar a partida. As dores tinham desaparecido e somente o astrolábio do meu peito indicava a fé ausente da minha existência. Era como se um anjo me habitasse.

 

Não sei o que significa anjo. Sei que deriva do latim angelus e que de uma forma muito terrena o concebo como uma pessoa bondosa ou uma criancinha. Depois existem as figuras metafísicas de anjo que me arrepiam e até chocam. Figuras de ar cândido, papudas, celestiais e assexuadas a olho nu. Vistas mais profundamente vejo-as sexuadas, parte integrante de orgias e luxúria e de ar pálido doente e enfatizado.

 

Um anjo é uma alma. Não tem matéria é apenas espírito. Filosoficamente o anjo bom é o anjo da luz, da perfeição moral. O anjo mau é o anjo das trevas. É a distancia e o intervalo, entre uma alma perfeita e imperfeita. Um anjo é um mensageiro, nesta sociedade contemporânea os anjos das trevas são os fazedores de opinião, os mentecaptos e por aí fora. Os anjos da luz são os mensageiros da paz.

 

Acordei com um beijo suave na testa. Senti-o. Foi o meu Pai. Beijou-me a alma com o coração.

Fonte

Foi a fonte onde bebi,

O vento onde me balancei,

O gerúndio onde vivi,

A mulher que mais amei.

 

Foi letargia, foi poeira,

Foi Ramadão e jejum,

Braços ledos de jasmim,

Os lábios sedução.

 

Foi suave como as nuvens,

Desenhadas no céu,

O sangue escorrido pelos olhos,

O teu cabelo, o teu véu.

 

Foste pranto e poesia,

Planície verde e prado,

Borboletas e papoilas,

Amor forte, Amor bravo.

 

Foi presente,

É lembrança,

Bem-querer,

Aventurança.

 

 

Mar reflexivo

Reflecte no mar a lua,

Tão bela e confundida,

Será tua?

 

Não sei se a luz é lua e mar,

Se é mar e lua,

Cor de prata é amar.

 

Ondas matizadas,

Luz e cor,

Enlevam-se engalanadas.

 

Noite quente e luar,

Lua em crescendo,

Floresce no mar.

 

Mar que me aguarda,

Alto do morro,

Ardente e amado.

 

Reflexivo o mar descobre-me ancorado,

Antes mesmo de eu me descobrir,

Emerge em mim um arrepiado sentir abraçado.

 

Terra de terra,

Mar de mar,

Beijo de luar.

 

“aluamentos”

Os dias passam por mim mais cansados do que eu. Trabalhar dezasseis horas por dia para além de me alienar, abre e fecha simultaneamente um ciclo. Será o início de vários ciclos iguais. Dá-me que pensar. Revejo-me. Ando para trás e solto-me, creio mais do que acredito. Sinto a energia. Tudo numa solidão ausente de ausência. Jamais conseguiria dividir as minhas “taras”. O próximo evento (não social) porque eu sou daqueles que nasceram para trabalhar e as coisas não me vêem parar ao prato da sopa, terá epílogo em Outubro, e, começará hoje mesmo a fase final. Fase final já iniciada, feita de noites trabalhadas, fumadas à varanda, de “aluamentos” que vão e vêem, de loucuras pensadas e lucidez forçada. Enquanto isso a luz soçobra e a lua cresce. Daqui a pouco vou ao médico, espero regressar em breve aos relvados....     

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Se dói ...

Se dói de saudade, de falta, de vontade, é porque existiu presença, partilha e querer. O que arde cura. Se dói é porque foi bom e valeu a pena. O alívio é apenas o resultado de não ter valido a pena, de ter sido tempo perdido, momentos desperdiçados, ausência de alma. Se dói é porque valeu a pena. Se o tempo não apaga, se a recordação é viva, que se mantenha assim intensa a recordação. Se a musica acarreta recordação, se as noites e as viagens ouvidas de música conjunta, e os cheiros impregnados no ar, e o nada nos habita, é porque o abraço fez sentido, e se fez jamais deixará de fazer. Embebedo me de sorrisos e expressões cristalizadas. A pequenez do renegado é cobardia emocional. Sintetizo psicologicamente as minhas emoções e guardo-as. Guardo-as num segredo com cheiro a madeira e um poema escrito por entregar.

Lágrimas sorridas

Os homens de tez queimada pelo sol, de mãos sábias e rudes da vida abraçada de mar, das noites embriagadas das vagas e pescado, descansam com as vestes de flanela coloridas, no areal a perder de vista numa praia escarpada e branca. Serenamente olham o mar que não os farta, que amam e respeitam. Fumam e conversam sabedoria e vêem o voar das gaivotas anunciando o tempo que prevêem. Têm um ar distinto, severo e meigo, feito de distância e proximidade. Apenas o seu ar me faz sentir pequeno e ignorante. Conheci um pescador, o Ricardo, que me fez sentir pequeno perante tamanha sapiência e bom senso. Sinto-o como se fosse o prolongamento do mar. E como eu gosto do mar e lhe reconheço energia, paz e força, movimento e cor, alegria e tristeza. Sei, enterradas na areia da praia, lágrimas de sofrimento, de perca e de alegria. Sei existir vida nos cúmplices olhares dos amigos de toda a vida, comemorações conjuntas de despedidas e chegadas. Sei existirem regras e códigos jamais impensados de serem quebradas. Existe pacto, não há dúvidas de conceitos, do que foi, é e será. Os barcos virados a norte são baptizados como os seus filhos. São um bom pronuncio. São encomendados a Santa Rita de Cácia que os vele e guarde nas noites das vagas. Místico este areal onde o silencio é cheio de tudo, e as palavras cheias de nada. Salgado de sal, lágrimas sorridas … e mar.

Inginheiro

A música forte e densa mal se ouve de tantos decibéis derivar. Verão, calor a sudoeste do Alentejo. Terra quente empoeirada e escura. Uma brisa corre desventrada dos teus olhos. Tens um vestido de ganga com uns botões que te descerro com o olhar. Os teus cabelos são a continuação do teu ser, desgrenhados ao vento, soltam-se em caracóis vermelhos. Centenas de pessoas arrastam um corpo alienado pelo álcool e umas porcarias que fumam de cheiro adocicado. Sempre achei que aquele fumo tem ritmo e um cheiro quente a Africa.

 

Não tarda é Julho. Os Julhos tornaram-se meses anormalmente saudosos e felizes. Sou abençoado. Escrevo com alma o que sinto, penso, observo, invento, experimento e sonho. Leio mais que um livro a cada quinze dias. Toco mais do que vinte horas por mês. Jogo futebol com amigos. Tenho dois trabalhos e um deles adoro-o. Tenho um trabalho só meu como objectivo e meta. Ando de mota por sítios incalculáveis e verdes com riachos pelo meio. Conheço-me bem e não menosprezo o conhecimento do ser humano. Tenho pais idosos e doentes mas vivos. Uma filha saudável e presente. Tenho energia. Dou-me bem com a minha solidão e necessito dela. Adoro a luz da minha casa, o cheiro, o pó depositado nos livros e o cotão dos cantos do corredor. Gosto de passar a ferro quando me apetece, lavar, estender e apanhar roupa. Gosto de sexo e de fumar à varanda. Gosto de ver a lua a crescer e minguar. Gosto do meu património emocional, e do auto – patrocínio intelectual. Gosto de arroz de grelhos, peixe frito e arroz de pato. E gosto de ir à serra perder o olhar no alto de Santa Marta.

 

Que se dane o Inginheiro Sócrates que é só protocolo ... e o aumento do IVA….

Nao ha !

No fundo do mar enterrei os meus segredos,

E não há marés que os consigam desvendar.

 

No arco-íris fiz o meu leito,

E não há quem o possa desfazer.

 

No cima da montanha depositei o meu grito,

E não há quem o possa ouvir.

 

Na madrugada coloquei a emoção,

E não há que a possa usar.

 

No teu coração armazenei o meu,

E não há quem o possa roubar.

 

Na gruta do silêncio gritei o passado,

E não há quem o possa devolver.

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