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Cardilium

Cardilium

Noite em Constância

 

 
Ingressado sem prévio aviso,
Entre rios a enxurrada,
Onde antes era a terra,
Existe somente água,
Lavo assim as minhas mãos,
Onde antes me passeava.
 
Serpenteado entre serras,
Um fio de água brilhava,
O sol no desfiladeiro,
Era da cor da prata,
O rio azul esperançado,
Desaguado estado de graça.
 
Não podia fazer a foz,
Senão em terra de poesia,
Vila flor, calma, Tejo,
Onde o amor desnascente,
Cantou Camões mais que ausente,
Fogo ardido e amor presente.
 
E onde o Zêzere descamba,
Antes de se irmanar no mar,
Deus faz da margem amante,
Do rio faz a tangente,
Da noite faz o luar,
Constância é... para se amar.

Sim...lêncio

 

Vou escrever uma página em branco. O branco é como o silêncio. Juntar-me-ei com quem comigo partilhe o silêncio não fazendo dele um imenso ruído insuportável. Abraçarei quem o não tornar pesado. Amarei quem comigo faça de uma página em branco um silêncio amável e partilhado. Admirarei quem comigo seja cúmplice desse precioso e necessário bem da existência humana. A terra cada vez tem mais ruído. Ruídos são páginas escritas mais do que lidas. Inflamadas do um se querer dizer não dito. Do um se querer mostrar nao mostrado. De um se querer ser não sendo. Escrevo em branco assim, o meu nome cristalizado em silêncio, névoa e fogo. Escrevo pintalgado de frio, quente, e temperado. Escrevo sinónimos rebuscados de adjectivos que não se expressam isoladamente num sentido pensado e conferido, mas falhado. Escrevo o meu nome e o nome de todos os que em branco se passeiam pelo silêncio das madrugadas, feitas de um mais que pousado nevoeiro numa planície semeado. As palavras por vezes só atrapalham.
 
Curvo-me respeitoso a quem sem palavras me mostra o caminho. A quem verte lágrimas porque saboreia um orgasmo. A quem prende de lágrimas um silêncio aguardando o aguardado reencontro. A quem com palavras cheias de um silêncio ausente de ruído me sabe entender. A quem entende mais que as palavras soltas por si só. A quem entende mais que o explicável. A quem explica com um suave toque de mãos. A quem morde com o olhar. A quem pede um beijo com um ate breve. A quem me pousa no peito e embala. A quem põe na dobra do lençol uma rosa e um poema. A quem me vê sem olhar. A quem me ouve sem falar. A quem com silêncio tanto me diz. A quem sem silêncios parcos me ouve. A quem tem o sonho de um dia o planeta ser uma porção de silêncio, liberdade, igualdade e fraternidade. A quem seja agua mais que terra e mar mais que ondas. A quem de desfaça no libido da minha paixão.

Transformado

 

Nunca encontrei o caminho para o coração de uma mulher. É a rocha mais dura que Deus fez. É impossível enganar uma montanha. Sendo ela rochosa não é tão dura quanto o peito de uma mulher. Quando de bem, é um ser amoroso e maternal. Transforma-se com a estação e o tempo. No seu auge de vingança é uma cordilheira intransponível. Um dia conheci uma, era dócil, pequena e franzina. Enorme de coração e disponibilidade. Carinhosa e meiga, atenta, disponível, admirável. Ouvíamos a mesma canção. Viajávamos e vivíamos cada dia que se nos apresentasse como se fosse o ultimo. Vivíamo-lo de uma forma exclusiva. O mundo parecia não ter mais vida para além da vida que lhe dávamos. A temperatura era amena mesmo que na serra nevasse. A chuva era uma dádiva e o sol um aconchego. Aos poucos as palavras ficaram escassas de sensibilidade. O caminho ia para o mesmo sítio mas sinuosamente os olhares plantavam-se em desacordo. Começou por ser um monte de areia. Cresceu e floresceu uma pequena montanha. A pedra escureceu com a noite. Tornou-se um pico vertendo água. Nasceu um rio, vegetação, arvores fortes e animais. Dei-lhe um nome, serra do transformado. Onde outrora havia paz e uma chave para abrir um coração, passou a existir um transformado sentir de mar modificado em rochosa serra, intransponível.

Sonhado e só...

 

Tomei banho e fiz-me à estrada. Atravessei os campos baptizados de lezíria. Estão revoltados do amanho e da apanha. São neste momento terra e água deitada. Há uns meses eram verde milho. Foram descamisados. Depois de passar o tempo a meio caminho além Tejo depois de descender o Riba Tejo, cheguei à lezíria habitada. Que bem me sabem estas milhas chuvosas e escuras, de uma noite trespassada por um cd velho e riscado, de musicas que cantarolo de cor. Esperavas-me. Subi além Tejo e fui contemplar o mar. Sentia na boca o sabor de umas amêijoas ácidas a limão. Senti uma acidulada vontade estomacal de ter os teus lábios por perto. Na colina feita de uma ravina escarpada, estende-se a minha praia velha e cheia como um vale furado. As músicas que ouvi até ao meu pedaço de mar abençoaram os elementos. A espuma salpicava a areia. O breu da noite era confortavelmente matizado de cactos esponjosos que tornavam o caminho macio. Abracei-te. Beijei a tua boca feita de lábios grossos e senti as pernas cederem. Não me apeteciam palavras nem coisa nenhuma. Apenas o escuro da minha praia, a chuva, o vento e o som do mar eram suficientes. Pensei em sítios e pessoas. Ao meio do dia o sol acordou-me. Não era sonho. Doíam-me as costas e tinha dificuldade em me mexer. Faltava pouco e fui. Como escolhi ir. Sozinho levando-te comigo.  

Entusiasmo

 

Abençoada cadeira neste mês sentado. Neste mês de convalescença, de pensados planos e projectos. Uma nova vida esta aí. Após tanto tempo a fazer o mesmo, do nada vem um novo desafio. Uma nova filosofia, uma oportunidade de fazer diferente aquilo em que acredito e teimo ser capaz de melhorar. Muitos quilómetros me esperam, novas gentes, novos costumes, novas estratégicas e acompanhamento. Darei o melhor que sei e posso, como sempre. Aos que durante tantos anos me aturaram um muito obrigado. Estarei por cá meia dúzia de dias por mês. Estarei no meu sítio a fazer o trabalho de casa. Sonhei com isto. Fiz por isto e ainda não acabei a obra. Não deixarei falecer este entusiasmo e o medo será a minha fé e vontade.

Figurante

 

Reparei naquela noite,
Num olhar suspenso no ar,
Não tinha direcção,
Tinha intenção,
Beijos de olhos,
Balançado e luar.
 
Presumi que da alma,
Se tratasse aquele olhar,
Preso nos olhos sôfregos,
A Paixão,
Como missão tinha,
Me encantar.
 
Não adormeci,
Na noite fria,
Nem bonança,
Ou coisa que o valha,
Dependurei os sonhos vãos,
Na fresta pendente da noite calma.
 
Sonhei com o mar,
A enxurrada,
O despropósito,
E o desconsolo,
O olhar suspenso no ar,
E uma figura grávida, de dolo.

“Vai mas é trabalhar para as obras”.

 

É bom trabalhar nas obras. Nas obras literárias. Nas obras cientificas. Na tremenda obra que é a vida, e vive-la como uma única e exclusiva obra que é. É bom construir. Desconstrução é o início de uma construção qualquer. Construção criativa, empírica, investigação etc. O homem sonha e a obra nasce. Portanto, trabalhar nas obras, não é na verdade aquela interpretação tacanha, frívola, pequenina e ofensiva que chega a ser racista.
 
Hoje, ouve um condutor qualquer numa rotunda onde eu não sei andar, nem a forma como se anda, que me mandou num vociferado calão, depois de varias palavras ofensivas e de eu lhe ter feito uma coisa com os dedos que me gritou espumando: - “Vai mas é trabalhar para as obras”.
 
Aqui fica a minha resposta. É bom trabalhar nas obras, tal como eu concebo o conceito obras, ó papalvo. Para além do mais, eu trabalho nas obras e gosto. Fiquei a pensar no Mercedes não sei das quantas que ele ostentava. Era preto. Sim preto, porque parece que a moda agora é branco, mas não pode ser. Ainda não percebi bem isso do branco não ser in. Não sou muito ligado a carros. Económicos bastam-me e não precisam de estofos de pele. Enfim, prossigamos. É certo que eu ia para alem de distraído, a rir-me com a minha filhota que é a coisa mais normal do mundo acontecer-me a conduzir. É lá que conversamos (também), ouvimos músicas, e sabemos coisas um do outro. Mas acerca da obra!...
 
A minha filha também é uma bela obra inacabada, sempre inacabada, mas também perto da perfeição, para mim. Se ele adivinhasse (o papalvo), tinha parado e rido connosco, e chegado à conclusão que as obras não são aquelas coisas altas com andaimes, com homens de cor explorados, ou loiros de leste empoleirados. Poderíamos ter falado de obras e seguido cada qual o nosso caminho, sorrindo.
 
Depois de ter levado com a tia Francisca, o Carlitos, a Ludovina e o Pedrinho, foi dose ainda ter que ser mandado trabalhar para as obras... gargalhamos cúmplices de olhares, ouvi um “Ó paiiiiiiii” e seguimos com a obra para a frente.

Conta!...Diz!...

 

O inquisitório interrogatório não parava já ia para mais que três horas. Já tinha desabotoado a chuva dentro de mim. Mordia a raiva nos meus lábios até ensanguentar a saliva. Sabia bem o sabor a sangue em frente aquele que me batia, sem que dor eu sentisse. Perguntas e respostas, e eu sem palavras desfolhadas. Nem uma palavra mais que um não, e, uma esperança semeada ali mesmo dentro de mim, em como tudo haveria de terminar. Admirava os olhares sangrentos da ignorância policial e cúmplice trocadas por aquela laia. Os risos, as ameaças, as seduções. Não tinha o que lhes pertencia. Estavam enganados. A única certeza era o meu corpo fraco e marcado. O meu olhar cinzento, desprendido e desimportado. Conhecia o meu desconhecimento e nada seria ali mais, que um não. Talvez saísse um não sei. Estava com dúvidas. Como poderia eu ser procurado se nem encontrado me sentia. Não era ladrão, nem roubava auto-rádios ou automóveis. Tudo bem, consumia umas substâncias ilícitas ou menos lícitas. Mas não era traficante. Porque não prendiam eles os traficantes e me estavam ali a ensanguentar a alma? Era mais fácil? Estavam a divertir-se? A eles fazia-lhes bem à bebedeira. A mim no fundo não me fazia mal. Hoje, vinte anos passados o tempo respondeu-lhes, respondeu-me. Hoje passo olhos nos olhos e desfolho pétalas de sorrisos e ergo-me. Ergo-me de um “de cima de mim”. De um ser melhor, que aqueles pançudos, ignorantes, mentecaptas.

Intomada

 

O problema no processo de tomada de decisão, não é a tomada de decisão em si, mas sim a não tomada de decisão que vou chamar “intomada” de decisão. É aí que reside o problema da tomada de decisão, na não tomada de decisão. Quando se toma a decisão, metade do problema está resolvido. Isto deita por terra, todos os estudos académicos e fórmulas acerca da temática.
 
Uma questão filosófica afinal!...que, como todas, tem a sua complexidade na sua própria simplicidade.

Ventania do xaile pelas costas

 

Por cada passo que dou,
O vento forte recua-me,
Repito,
Passos,
Melhoro.
 
Firme,
Forte,
Seguro,
Sou,
Inocência.
 
Peco,
Sabedor do erro,
Do sabor do pecado,
Que na mente existe,
E na alma não.
 
Crescimento,
Erro,
Presença,
Intrínseca,
Oportunidade.
 
Minha,
Tua,
Nossa,
Dos outros,
De todos.
 
Volúvel vontade,
Macia,
Dominada,
Química,
Anunciada.

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