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Cardilium

Cardilium

Partir !

 

A lua alta e nova vagueia na minha janela,
Lírios lilases Holanda,
Perpetuam-se.
 
Vagas de sol irrompem no meu peito,
Não me falta fé,
Mais que crença.
 
Faltam-me pedaços.
Pedaços de mim próprio,
Extorquidos.
 
Aniquilados,
Presentes e identificáveis,
Falta-me, faltam-me, falto-me.
 
Um homem dividido vale por dois,
Dois homens nunca serão um só,
Mais as mulheres.
 
Simplifico a natureza humana,
Assexuada,
Presente e sólida.
 
O mundo é o amanhecer,
A vida o entardecer,
A morte o mistério.
 
A neblina a duvida,
O nevoeiro a decisão,
O mar alto as mãos dadas.
 
A chuva é retemperança,
O trajecto infinito,
O céu como limite.
 
Volto a mim,
Depois de entregue,
Cansado e ausente.
 
Retribuo-me,
Á sanidade,
Que da inexistência... partiu.
 

Há almas que se fundem

 

Meço a anunciada liberdade. Em novos movimentos. Nos acordes que já dedilho. Já te peguei ao colo e toquei. Toquei sóis e mis. Uns dós e uns rés. Consegui harmonizar-me.
Ainda não cantei, mas toquei. Ainda não dancei mas dançarei. Já caminho, já me sento e deito. Mais forte que tudo é-o a mente. Sinto uma parte dilacerada de mim, invadida.
 
Sinto novos recomeços. Sinto o passado lidado e um futuro de continuidade. Guardarei o que é para guardar, elevando. Purgarei o que é para purgar, destruindo. Verto-me a um querer continuar a senda para que me construí. Quando tudo tive tudo joguei fora e ao nada ter, tudo tive. Por mim. Por dentre horas não dormidas e caminhos calcorreados pelos meus pés por vezes sangrados.
 
Um jogo é sempre um jogo. Um jogo é sempre a tentativa de enganar o outro. Chamam jogo à sedução, ás cartas, à vida. Mas um jogo é sempre um engano. A partilha desintencionada não é um jogo. A vida não é a cabra cega. O amor não é um jogo. É dádiva. É admiração. Não é desilusão. Não são palavras, retratos ou viagens. Muito menos é um sítio da moda, onde todos se encontram numa alucinação colectiva.
 
A vida é privada. É escolhida. É respeito. Igualdade. Democracia. Presença. Mimos. Beijos e abraços mais do que sexo. O sexo é uma vulgar forma de confusão. Sexo é despejo do nosso eu. Amor é a partilha do nosso, muito eu. É a entrega dos nossos sonhos e indecoro. É assumir num ser imperfeito o caminho da perfeição aceite por quem nos ama. Por quem nos quer na saúde, na doença, na alegria e na tristeza, sem contrato pré-nupcial acordado. É não querer trocar o mais belo pelo menos belo, o pobre pelo rico, a avareza pela calúnia, o ego pelo alter-ego. É na prisão e no hospital que se confirmam a mais nobre forma de gostar, mas também não o é.
 
Estágio os há em que a presença física se torna espiritual. É neste estágio que as almas se fundem. E há almas que se fundem. Fundem mesmo.

Carpe Diem

 

Entre certezas sabidas mais à frente e esperanças vividas de momento respeito o que o meu corpo me pede. Curioso como cada momento da vida, é feita da absoluta e plena necessidade corporal, entrelaçada de força mental, sensorial, emocional e física. No conhecimento que se quer, tudo e todas as vicissitudes são tomadas de decisão, que não são hipóteses de o não ser. Curiosa esta impotência de nos entregarmos assim na mão de alguém que nos ajuda sem reservas.
 
Confiar foi a descoberta mais aliviante que tive nos últimos dias. Confio em mim, confio nos outros. É estranha esta forma fácil de confiar, de respeitar que não está nas minhas mãos outra coisa senão decidir, iniciar o processo de tomada de decisão, sem preocupações em controlar a decisão dos outros, numa humilde atitude de reconhecimento da sua competência e profissionalismo.
 
O desconhecimento inter pessoal foi uma ajuda. Foi exactamente o contrário das relações inter pessoais onde o conhecimento e o medo de maleitas e misérias emocionais me fazem fugir, adiar e não confiar.
 
Resumindo: as coisas importantes da vida são confiáveis não nos falham. As não confiáveis falham-nos antes de serem confiáveis. Enviam-nos sinais pelo tempo. O tempo não é cego. Confirma-se e desconfirma-se. Este texto é escrito numa faixa estrita, frágil e vulnerável, de uma dificultosa e hiper sensibilidade, de um período de convalescença entre amigos e de quem cuida de mim. E está tudo bem :-)
 
Carpe Diem

Convalescença

 

Florir de seiva o companheirismo. A poesia é uma arma, eficaz e incisiva de respostas cultivadas de paz. Arremesso sementes ao fogo. Um fogo bravo de revolta que o mar tem antes de se amainar. Como eu. Tal e qual. Florescem passos, um a seguir ao outro. Ensinado pelo o anterior, o seguinte. Obedeço-me. Respeito-me. Durmo cansado pela posição recomendada destes dias feitos de noites também, feitos de horas acordadas mais que adormecidas, adormecidas apenas pelas partes valorizadas e fisiologicamente respeitadas.  Mais um caminho, mais um desafio que não me vergará. Já o vejo, mais há frente conseguido e alcançado. Tenho dores que não alimento, são mordidelas de cura. São dores atravessadas de saúde e recuperação, não tenho jeito para estar doente, por falta de hábito talvez, mas não tenho jeito.  Tenho um desenho nas costas, um traço, uma cicatriz para juntar a tantas outras não visíveis mas igualmente massacrantes e cristalizadas em mim. E assim me encontro nesta convalescença em que o tempo é um desafio com final anunciado.

Reparei eu !.....

 A existência e a essência são praias diferentes, novos mundos e mundos diferentes. Segundo a célebre definição do filósofo francês Jean-Paul Sartre: "A existência precede e governa a essência." O conhecimento não tem fim é inesgotável. A humildade nunca é auto-reconhecimento a isso chama-se arrogância. Humildade será eventualmente e quiçá o reconhecimento dos outros em relação a um ente ou objecto admirado. A existência filosófica é a única forma de existência, é a essência vivida e aprendida e apreendida todos os dias sem irreflexões. Há vida sem existência, não existe vida sem essência.  

Falta de quórum

 

O farol dos corvos é um imaginário meu pintalgado de mar, rocha e corvos. Oiço o piar dos corvos removendo palavras roubadas em ideias geniais assambarcadas e publicadas por aí. Publico as minhas letras feitas mais do que letras. São pedaços de torturados de mim, devaneios e critérios. São fome e solidão, presença e abastança. Ser solidário comigo é abraçar-me na ausência fria de humanidade. Obra mais que palavras, palavras mais que ódio, loucura mais que sanidade, empreendedorismo mais que investigação. Os autores que eu gosto não são normalmente best-sellers. Não têm listas intermináveis de seguidores ás cores, com música a condizer. Não necessitam. Muito menos têm prefácios ou comentários, não os aceitam porque não se vendem ou mudam de rumo, por ser suposto, sê-lo ou fazê-lo. Acredito eu, que vale mais ser do que parecer. As pessoas com mau feitio têm substrato mas normalmente falta de quórum. Mas dias existem em que recompensas inesperadas caiem do céu, madrugam nos lençóis, ou exalam dos poros. Há dias em que um beijo vale um beijo, há dias em que me apetece um beijo e não o tenho. Há dias em que a saudade é feita de beijos apenas. 

Desimportância

 

Desde que a vida não me passe ao lado e fique saldada a minha existência, estou em paz. Por caminhos sinuosos e planos, e por sentires meus, deixo-me ir. Desde que as marés e os ventos, os rostos e os sorrisos, as mãos e as cabeças, se me encostem no ombro, deixo-me ficar. Não me importa a distância ou o caminho a fazer. Nem a raça, a cor ou a religião. Abasta-me a simplicidade da pouca elaboração, a genuinidade, a admiração, os princípios, os conceitos, a igualdade e a cumplicidade. Prende-me e abasta-me de preenchimento e segurança, a desimportância da moda, do sítio e do país, em prol do conforto do meu coração, em prol da emoção do meu sentir. A minha vida tem sido feita de horas. Horas de chegada, horas de fugida. Horas de prisão e liberdade. Horas feitas de mim próprio e não. Ninguém sabe quem és, não sabes de ninguém. De vez enquando o engano do conhecimento habita-me. Habita-me o luar e o que existe para além do mar. Parte ao longe um barco, onde embarco o meu olhar e vou. Retiro-me sem ser ou ver. As mãos rudes e fortes cavam esta terra de caminho recomeçado mais vezes do que alguma vez acabado, mas indefinidamente percorrido. Em decrescendo, estou. Uma nova etapa me aguarda no meu regresso. Depois de vinte anos em piloto automático, um novo desafio está aí.
 
Se eu vou morrer no mar alto ó linda, eu quero ver-te na praia.

Tantos noves meses para a pança dos burgueses

 

Tantos noves meses para a pança dos burgueses. De vez em quando sonho que vivo sem liberdade. Que amanho a terra de sol a sol para um qualquer senhor feudal que me dá feno para dormir, uma malga de sopa, e ainda se acha bondoso porque pertence à confraria de S. Vicente de Paulo, como se os filhos dele fossem diferentes dos meus. Acordo incomodado. Filhos de Puta. Foi assim, 50 anos sem nada. 50 Anos de analfabetismo. 50 Anos de Pide. Não me quero perder por aí. Foram 50 anos e “prontos”.
 
Rói-me colaborar com o negócio burguês da saúde em Portugal. Rói-me, faz-me urticária. Mas lá vou eu ser operado num hospital privado com uma diária principescamente paga pelo meu subsistema de saúde e complementado por mim. Eu sou mais de hospitais públicos que é para aí que vai o dinheiro dos meus impostos. Vou lá estar deitado a pensar em quem não pode lá estar deitado. Diária de hotel de luxo. Não me entra. Não me entra isso, como não me entra esperar 10 meses por uma cirurgia. Não me entra tanta coisa.
 
Não sei se era assim tão mau, uma célula militar da ETA em Portugal. Tudo bem morriam inocentes e isso não me agrada. Mas que isto precisava de uma limpeza, precisava. E precisávamos deste País esclarecido. Credível. Bem frequentado e devolvido ao jardim à beira mar plantado que o é. Precisávamos de justiça, educação e saúde. Precisávamos que fossem arrecadados os cúmplices do Godinho, ninguém acredita que só o homem é que é pecador. Precisávamos que o Sócrates tivesse tirado mesmo engenharia, como todos nós o fizemos. Precisávamos que alguém que nos governa gostasse realmente de Portugal mais que dele próprio. Filhos da Puta outra vez, alivia-me dizê-lo em dias como o de hoje.
 

Escarlate !

 

Escarlate viva cor,
De estradas antes descobertas,
Cor do sangue dos meus braços,
Sol amargo e a noite doce,
Embrenhados, emaranhados,
Dói o meu peito que te trouxe.
 
A descoberta sã da paixão,
De uma face cândida e esbelta,
De um prisão assoalhada,
Sem grades e sem janela,
De uma folha branca, branca,
Feita da madrugada bela.
 
Ainda não sei do teu olhar,
Dos teus lábios, do teu sorriso,
Do teu cheiro forte e denso,
Do teu mundo e o paraíso,
Do teu trilho azul do céu,
Da tua voz, do teu sorriso.

Em contagem decrescente aguardo-me

 

Vivo sem guerras, sem batalhas, sem juras e sem paz. Como se o sol trespassasse o luar e não fizesse sol quando o há e não houvesse lua quando existe. Como se, se assolasse guerra em tempo de paz e causasse paz em tempo de guerra, com juras de melhores dias, sem batalhas, sem paz nem guerra, sol e luar.
 
Pequeno como os olhos que se vêm em espelhados espelhos dobrados em esquinas que arrecadam duas ruas. Vejo passar em ruas diferentes reflectidas pelo mesmo espelho, a mesma imagem, dobrada, por uma esquina de duas ruas num só espelho. Entendo esta sob a forma, de a maior parte das pessoas que conheço se calcularem. Duas personalidades ajustáveis, duas formas de estar convenientes e coniventes, dobradas por uma esquina, reflectidas no mesmo espelho. O espelho é a traição da imagem.
 
Novo ano está aí… Viva! Começou bem. Lindamente, estou feliz, vou ser operado, não tinha melhor maneira de começar o ano, que bom, fantástico. Ok, não sou ligado a inícios de ano muito menos a finais. Vou ser operado porque tem que ser. Por mim poderia ter sido na noite de natal ou passagem de ano tanto se me dava. Qualquer dia menos o seis de Dezembro, esse não, que gosto de ler três mensagens que me chegam habitualmente e ver o azul redondo dos olhos do meu pai, do rechonchudo beijo da minha filha, bem como assim a congratulação da minha mãe. Em contagem decrescente aguardo-me.

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