Procuro o vento num vão de escada numa noite em que disse que vinha e não apareceu. Por detrás de uma arca velha e carunchosa procuro e não o encontro. Não valerá a pena procurá-lo mais. Quando aparecer, verei as folhas assobiarem desordenadas e embaladas, por detrás das janelas embaciadas e húmidas de um escorrer de água onde desenho montes e casas e a palavra amor. O lume estala num bailado, dilacerando cada pedaço de madeira soprado. A lenha transpira. Guardo em cada labareda um segredo meu. Confidencio de cada vez que desapareci e não fui reparado. Cada não reciprocidade aos meus sinais. Confidencio guardadas traições, omissões e a desilusão do conhecimento. Confidencio o desconhecimento que me ilude. Guardo e queimo tudo, algures na dança do fogo e em cada labareda alvoraçada. Guardo olhares e desejos. Vontades, pensamentos e poesias. Escondo e pouso o meu olhar parado e enfeitiçado. A vontade de ficar ali eternamente naquela banco baixo que me amolda ao nível do fogo. Quando fico sozinho sinto o espírito santo como companhia. Ali, sou devolvido à paz e à minha própria cabeça. É como se me voltasse a habitar. Escrevo e padeço, leio e avanço. Oiço o vento ao longe a caminho. Sei que está pousado na serra e que aparecerá entretanto. Oiço sons na casa ao lado, o vizinho desce as trancas da porta e tranca-se. As folhas erguem-se e bailam juntas com o vento e as dilaceradas labaredas. É o bailado de Dezembro, feito numa noite de mim e fogo.
Nascer, aprender, viver, experimentar, estabilizar, apreciar e morrer.
Nascemos desprovidos de tudo aquilo pelo que lutamos. Guerreamos interiormente e exteriormente para partirmos exactamente sem nada do que lutamos. E nada é nada. Partimos da vida desprovidos de pessoas e bens, tal qual como chegamos.
Aprender ou apreender é o caminho da nossa existência. Aprendemos onde menos esperamos e com quem menos esperamos. Ensinamos sem consciência que o estamos a fazer. A desilusão é vasta e densa e transforma-se em desadmiração.
Viver é um exercicio sem formula resolvente. É um empreendimento unipessoal. É a magia de não saber nada do minuto a seguir que a vida nos oferta. É deus e o diabo no mesmo quarto. É o amor e o odio no mesmo sofá. É a alegria e a tristeza na mesma praia. São as sementes e a selectividade de nos darmos em permante aprendizagem, sem fim.
Experimentar é arriscar e crescer.
Estabilizar é regar de auto-estima, conhecimento e transformação, a mutação constante da humanidade que trasportamos em nós.
Apreciar são os presentes que os nossos sentidos no seu mais elevado estado de prazer nos oferecem. Podem estar num abraço, num sorriso, num quadro, numa musica ou num poema.
Caem folhas aos cântaros de um castanho invernoso, amontoando saudade de caminhos aglomerados. Despeço-me de sombrios pensamentos. Flores com cheiro de incenso soltam-se do céu. Antes de ti existe uma fronteira. Passo-a de assalto. Salto forte, sem medo. Percorro uma iluminada luz que me cega. Vislumbro um caminho que faço num fundo de um túnel. A roupa queima-me a pele, dispo-a. Segredo-te desejos de uma verdade que não entendes. Junto da mais bela serra existe a mais bela aldeia. No xisto desejo dormir, e jorrar de amor sem parar.
Se eu fosse um dia Rei e tivesse o meu reino, jamais esta beleza sairia do meu trono. Mandaria encarcerar todos os arquitectos do mundo soltar todos os criadores. Abriria todas as ruínas e deixaria brotar a sabedoria nelas guardada. Não haveriam torres habitacionais, guetos e morte. Não haveriam seres livres na prisão. O acordar seria com o galo, o adormecer com os pássaros e o vento seria música. Tu serias a rainha do meu reino.
Terra de costumes, típica e gerada. Enclausurado em ti e numa torre velha enlouqueço de felicidade. O bolero de Ravel explode-me na cabeça e danço-o. Danço-o de olhos cerrados e braços abertos como louco, rodopiando sobre mim mesmo ate ficar zonzo e perder os sentidos. A planície está iluminada por uma bola de fogo castanha, que à noite se torna branca e cândida púrpura.
Fascinas-me. O tempo geométrico e medido não existe. Consumo os meus minutos pelas veias injectadas de alucinadas poesias. Nunca me abandono. Fui gerado mais do que para viver. Vivo fora de um existente tempo. Como a serra, os pássaros e o mar. A musica, o rio, o encanto e o cheiro. Como as letras inacabadas e as cores por acabar. A lua alta e cheia espia-me com uma nuvem pela frente para se disfarçar. Sorrio. A lua por mais que se disfarce acaba sempre por assentar na minha janela. Na minha alma. Caem folhas aos cântaros