O beijo de água da tarde já gasta chegou. Fim de tarde inicio de noite, fim de noite inicio de dia. O fim não é mais do que um princípio. É um ciclo. Esgota e conclui. Cíclico como tudo. Tudo é feito de inícios e finais. A vida vive-se nos intervalos. Vive-se entre o fim e o princípio do que quer que seja. Esse é o conceito verdadeiramente de tempo. A vida vive-se e faz-se de um conjunto extremo de emoções. A vida é uma dádiva que oferecemos a nós mesmos e que aceitamos de quem nos oferece. Como os anos, não existe final de anos, senão vejamos. Meia-noite, zero horas, zero segundos…. Final. Meia-noite, zero horas zero minutos e um segundo… Inicio. Pode lá ser, um início e um final ser separados pela respiração, um beijo ou um abraço. Tontaria pura. Início é nascimento. Final é morte. Mesmo assim dúbio o conceito. Quando os meus olhos se assentam levanta-se em mim intempérie. Não ser conhecido pelas palavras é o desconhecimento do meu conhecimento feito de mim próprio, carnal. O meu eu é muito mais que palavras. O meu eu é feito de actos e factos. É o durante, intervalado de um início feito inevitavelmente e invisivelmente de um fim equidistante, que me faz, que me cria, que me alenta.
A alma a "coisa" que eu desconheço mais silenciosa de um ruído que conheço....
A alma não tem direcção porque sabe o caminho…
A alma não dói, no entanto tem chagas incuráveis e dolosas vontades…
A alma é infiel na felicidade da fidelidade….
As vontades da alma são sempre isentas de dolo, pelo menos as almas puras.
As almas são árvores e têm raízes que proliferam na terra. São férteis. As árvores têm seiva como sangue que as mantêm vivas e possuídas de um recanto sombrio. A cúpula é o início da alma das árvores que juntas fazem uma floresta, onde os raios de sol irrompem de sinónimos e de igualdade regrada. O silêncio administra os meus dias, a tua face desconhecida, o conhecido e exacerbado sorriso excêntrico quedo e tranquilo. A fresquidão adormece dentro do meu peito fervente de ideias, sonhos e inspiração. Os vernáculos pensamentos e eróticas melodias baixam em mim. Treme-me o timbre imaginado de uma vez escondida. Sossegado, acomodo-me arraigado a uma linha que denomino raiana por saber ser a fronteira, do terreno, do espírito e da alma.
Sou como os demais faço o balanço: - O resultado deve ser liquido e de saldo positivo, a diferença entre o deve e o haver terá que ser inquestionável, o investimento e o retorno também, o empreendedorismo, a inovação, o lucro final que deu toda esta trabalheira durante 365 dias, o levantar e deitar de madrugada, os kilometros percorridos, a esperança, a solidão, os resultados, o empenho, a preguiça, a saúde, a doença, os sucessos, a raiva, o medo e a fé ……… Fizeram o ano
Como os demais projecto o próximo ano que terá inevitavelmente que ser diferente: - O resultado deve ser liquido e de saldo positivo, a diferença entre o deve e o haver terá que ser inquestionável, o investimento e o retorno também, o empreendedorismo, a inovação, o lucro final que deu toda esta trabalheira durante 365 dias, o levantar e deitar de madrugada, os kilometros percorridos, a esperança, a solidão, os resultados, o empenho, a preguiça, a saúde, a doença, os sucessos, a raiva, o medo e a fé ……… Farão o ano.
E é assim, há quarenta e tal anos …… depois existe uma área muito particular que não sei andar nela que mete sentimentos, devoção, dedicação, presença, algum castramento, cobrança, sexo, tardes de domingo e pior que isso, domingos de manha e o acordar junto.
Sinto-me inquietantemente fértil. Entendo-me como um ser híbrido. Híbrido entre a vida e a morte, o querer e o desquerer, o prosaico e o eclético, o simplista e o complicado, o verão e o Inverno, o mar e praia, as estrelas e a lua. Não existe meia estação, com aquelas blusas suaves que assentam na pele, como um beijo suave e desejado. Tudo é fogo, guerra e luta. Sinto-me de olhos vazios prostrados numa imensa planície cheia de vida, mas desiludida pelos Homens.
Sinto-me hibridamente homem na minha pele e mulher na pele da mulher que gerei e amo. Arquitecto sonhos, pinto fantasias e jogo com as ondas do mar uma igualdade inexistente. Se nem as ondas são iguais e todas têm sal, como podem as minhas expectativas serem esperança?
Mordo-me os lábios e deixo-me marejar dos olhos. Sinto o corpo pisado e a areia que recebe as ondas, encarnada de vermelho esquerdista. Sou híbrido, sou vida e sou morte. Em miúdo ia para a escola pelos carreiros enfeitados de silvados que prendiam amoras, amoras da cor dos teus olhos. Hoje existem bairros construídos de ausência, antes carreiros.
Estou chanfrado, alguma coisa dispara dentro de mim. Em jeito de conclusão excluo-me da moral, e da ética rançosa dos faladores de palavras inatendíveis de recados subornados de miséria humana escolhida. Excluo-me, partirei para uma casa de madeira no vale, na serra, híbrido como sempre, num mar guardado de segredos do mundo inteiro.
Gosto de trabalhar naquilo que não trabalho. Devia ter a coragem de comprar a minha auto caravana e ir. Por aqui a coisa esta feita. Já me chega de bom dia, “faz favor de sentar”, e do “obrigado sempre ao seu dispor”. Chega porra. Não tem a ver comigo, muito menos aquele engalanado fato e gravata que mais me faz sentir um vendedor de religião de porta a porta. Faz-me confusão receber ordens de um idiota com um título académico duvidoso e inferior ao que detenho. Vale o que vale. Sinto-me arrogante em dizê-lo aqui escrito e aberto ao mundo, mas a dor de pescoço que adquiro numa sinalética de aprovação ou negação, justificam-no. Ouvir um tipo que se adora ouvir a dizer baboseiras e dizer constantemente, sim senhor e pensar de mim para mim “és cá um urso”, e dizer não Sr. engenheiro e pensar igualmente “ranhoso”, faz me mal. Não engulo assertividade com facilidade, fico com azia e diarreia, mas no mesmo minuto penso que tem que ser, porque tenho uma filha para dar de comer, vestir, pagar renda de casa e propinas, ainda no mesmo segundo penso, é uma fase. Entretanto ele falou, falou, falou e eu nem ouvi, mas acenei sempre a cabeça durante o discurso alucinado de des-graça. Este hífen entre des e graça é intencional. É o que separa o nome do sujeito, da negação com que o oiço, e do arrolamento que lhe tiro. Decididamente não lhe reconheço capacidade intelectual para me ordenar o que quer que seja. Vá lá que peça, mas peça com jeitinho e lubrificante para não me magoar. Totó, idiota, presunçoso........
Pesa-me a cabeça nos ombros. Sinto os meus braços separados do corpo e as pernas presas. A minha cabeça é desobedecida pelo meu corpo. Sinto pelo corpo fora pontadas crispadas na pele como se os ossos se quisessem descolar e romper pele afora. O sono espreita longe mas não desagua em mim. Os músculos enrijecidos, sucumbem ao desencontro com as dores. Os dedos engrossados e disfuncionais encolerizam-se com a alma, o adiamento de um novo dia normalizado teima em vir. Aguento. Enquanto isso, os afazeres normais são pronunciados por mensagens de esperança que são o único alento possível. As posições esgotam-se com as madrugadas e os finais de noite, tanto quanto os inícios dos dias. Crispa-se o olhar em paisagens iguais percorridas por passadas desiguais. Não rezo por falta de fé. Espero, construindo pedaços de paciência retemperados, não sei que parte de mim mesmo os engendra, mas faço minutos, horas e semanas de e com o tempo. Sei simplesmente ter uma aliviante parte tentada de uma página de um livro que não avança, que é relida noite após noite. A matéria quântica transformar-se-á na criação de energia em matéria. Aguardo a audácia dos fragmentos iluminados e brilhantes viventes em mim. Enquanto isso, foda-se, uma hérnia discal paralisa-me.
Existem pessoas iletradas extravagantemente sábias de humanidade, ao invés existem pessoas cheias de títulos académicos desumanizadas de vida. Os processos longínquos no tempo, afagam os seres em sabedoria, experiência e vida. Os outros, os rápidos e escritos nos livros, apenas são sinais que pressupõem ensinamento, o que não quer dizer que se atinjam os objectivos proscritos, é necessário experimentar para se ser sabedor de tamanha obra engendrada de, e para a humanidade. Desconfio sempre dos calados, sorridentes e bonzinhos. A humanidade habita a alma, a humanidade esta cheia de atitude e boa vontade. A humanidade não tem dias, muito menos tem dádivas programadas. A humanidade é um apelo, uma figura de estilo e por vezes o contrario dela própria como conceito. A humanidade povoa a alma mais do que a mente, por vezes são apenas lágrimas e questões. A humanidade é as mãos entrelaçadas de coração, são as crianças sem frio e com um baloiço para andar. É estar lá por, e por vezes apenas estar. Escutar, sorrir e abraçar. A humanidade não está escrita nos compêndios, a humanidade brota sem dar conta de que brota. Não é avaliada nem apregoada. A humanidade é como o oxigénio, respira-se. A lei das probabilidades é como a das improbabilidades. Pode ser humana e desumana na mesma amostra com o mesmo intervalo de confiança ou desconfiança. Existem na verdade sábios de humanidade.
O feno está molhado e amontoado. Montes de feno escurecido no verde e viçoso sombreado das arvores de cúpula redonda e rasante. O céu acordou deprimido e tem cor disso mesmo. Está como a cor cinzenta de um par de olhos desventurados Passeiam-se nas ruas os assocializados. Nas esquinas do deslumbre existe cheiro a café quente acabado de fazer.
Dezembro é um mês gasto a precisar urgentemente de ser substituído por sonhos, promessas e delineamentos de vidas novas, de um fazer de contas e um desenhar velhos futuros. As estradas estão desertas como espíritos. As casas estão adormecidas como almas. A serra encobriu-se envergonhada, não se vê do sítio do costume. As músicas são mais melodiosas e compassadas. Os telejornais dão as mesmas notícias do anterior e anunciarão as mesmas notícias nos seguintes. É como se este dia não existisse e apenas se esperasse pelo próximo sem pressa.
Tenho as mãos trémulas e a minha guitarra calou-se. Caminho com passos desenquadrados, sem saber qual o pé que avançarei antes do seguinte. Felizmente sinto-me sossegado arreigado ao que acredito ser este dia. O dia está imóvel, silencioso, sem expressão, as igrejas vazias e as famílias caladas e cabisbaixas. Tenho uma dor que não me deixa deitar. Sentado ou em pé estou muito melhor. Apetece-me trabalhar, produzir, fazer, participar, falar, rir, chorar, nadar, passear e abraçar. Tudo o que não posso fazer num dia como o de hoje, onde não existem pessoas e onde o ensaio sobre a cegueira se torna numa obra-prima por observação. Hoje é o dia da cegueira, tal qual é retratada no livro do Saramago que acredito não ter natal, a avaliar pelo Caim. E ainda há quem conteste.
Beijos de bem-querer a quem me quer bem e aos outros também.
E “prontos”. Amanha os contentores estão cheios de comida desperdiçada de restos de um dos pecados capitais, a gula. Papeis coloridos e laços. Matéria endossada mais do que partilhada. Sentimentos desalvoraçados e histeria colectiva partilhada com grau alcoolémico a condizerem. A obrigação está feita, fomos todos muito amigos e comemos à fartazana. Amanha é ressaca e cara disso mesmo. No dia seguinte abre a guerra e tudo está igual, tirando o empaturramento da noite chamada de natal. O natal afinal, são seis horas e muitos dias antecedidos de luzinhas pirosas e frases feitas, de dedicadas palavras elaboradas e de apelo comercial colorido. São os minutos de êxtase que o presente mais caro e inútil oferece. Enquanto isso, Africa está miseravelmente sem medicamentos, água potável, vacinas, paz e saúde. Enquanto isso, a guerra existe por mais um barril de petróleo, porque temos um credo ou preferência sexual diferente. Enquanto isso, a miséria prolífera nas ruas de Bogotá e a guerra, injustiça, e fome pesam sobre Dafur. Sou contra o dia de natal, o dia mundial do exagero, o dia mundial da mulher, o dia mundial contra a exclusão social, o dia mundial da arvore, da agua, da musica, do teatro e de não sei mais o quê. Perante esta obviedade, todos os dias são dias mundiais. Mundiais, mas da humanidade. Não me lixem mais com o natal e afins. Não me enfiem mais o natal pelos olhos adentro, que eu não compro. Compro paz e justiça social antes de algum dia comprar, o natal.