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Cardilium

Cardilium

Morro no entendimento de nao pertencer

 

Morro
Não espero entendimento,
A minha alma foge-me,
Sinto como se observasse e previsse a minha própria alma,
Morro todos os dias um bocadinho de amor porque amo muito,
Amo e morro de saudades da minha filha,
Amo e morro ao ver o meu pai morrer sossegado de sorriso encantado nos lábios,
Morro ao ver a minha mãe não viver, porque a amo,
Morro de morte pela amante que se traiu porque amo,
Calo, e não abraço,
Ainda tenho medo de mim,
Desconforme a minha voz,
Não gosto de me ouvir.
 
Não pertenço
A minha pertença não se coaduna com a pertença a que chamo normal,
Não acordo certinho,
Almoço certinho,
Não faço a sesta certinha,
O para além do certo é longe,
Para mim o incerto é próximo e já ali,
Não pertenço a marcas nem a grupos económicos,
Não colaboro e gosto de não colaborar,
Mostro a falta de colaboração,
Não dissimulado,
Não pertenço.
 
Entendimento
Não espero entendimento no desentendimento acerca da pertença ou da vida. Decido por mim erradamente, por intuição. Apesar de estar fora de mim e de me avistar em visão de aquário intuiu-me a mim próprio. Gosto da dor e do que por detrás se esconde. Gosto do roubo do sono, do descontrolo, do esgotamento, da extenuante vida dupla durante as oito horas em que produzo riqueza. Não espero entendimento, nem vida, nem morte, nem pertença. Porque na verdade não pertenço nem aos que de mais próximo me sinto.

O tempo nao me diz nada

 

Os dias não conhecem os meses e os meses não são íntimos com os anos. A soma dos instantes são sorrisos abertos ao imaginário. A melancolia é um negrume da alma. Replicam sinais da torre a um cortejo fúnebre. A missa dita em latim cantada, aquece as almas de lenço preto que se ajoelham à passagem. São contratadas carpideiras que num choro uníssono falseiam, como se falseia um grande amor.
 
Divide a mentira a ténue linha da verdade. As noites escritas aos magotes de palavras coloridas são hoje cinza, onde não deposito sequer a lembrança. O adiamento está ao rubro. Mais adiado do que o adiamento afortunado da miséria material, fica a miséria emocional disfarçada de abraços e pretensas proximidades desejadas. De substrato, conteúdo, musica e poesia cristalizo o conhecimento. As figuras não dão luta. A vulgaridade adivinhada prolifera numa destreza reprodutora cansativa e descoerente.
 
Existem em mim vontade apenas de estar numa praia deserta em silêncio. Existe mais do que o verbo existir. Existe desejo de perceber a lua no céu plantada. Existe vontade de converter o conhecimento complexo em simplicidade. Existe em mim vontade de ser mais emoção que raciocínio. Existe em mim vontade de ser devaneio e meditação. Existe em mim um pai. Existe em mim um vazio esvaziado e um pretenso enchimento. Existe só por existir.
 

Senhas

 

Eu não gosto do bom gosto

Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

 

Eu aguento até rigores
Eu não tenho pena dos traídos
Eu hospedo infractores e banidos
Eu respeito conveniências
Eu não ligo para conchavos
Eu suporto aparências
Eu não gosto de maus-tratos

 

Mas o que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

 

Eu aguento até os modernos
E seus segundos cadernos
Eu aguento até os caretas
E suas verdades perfeitas

 

O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Eu não gosto dos bons modos
Não gosto

 

Eu aguento até os estetas
Eu não julgo competência
Eu não ligo para etiqueta
Eu aplaudo rebeldias
Eu respeito tiranias
E compreendo piedades
Eu não condeno mentiras
Eu não condeno vaidades

 

O que eu não gosto é do bom gosto
Eu não gosto de bom senso
Não, não gosto dos bons modos
Não gosto

 

Eu gosto dos que têm fome
Dos que morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem

 

Eu gosto dos que têm fome
E morrem de vontade
Dos que secam de desejo
Dos que ardem

 

Adriana Calcanhotto

É só galgorro !...

 

Um mês que se esfumou. Dias amantizados com as noites perderam-se ganhando-me. Uma solidão imensa de ninguém com presença minha acompanhou-me. Não sei se irei ver alguma coisa positiva na desilusão do passado. Mais do mesmo. Episódios adivinhados, conjecturados. Resultado calculado. Palavras levianas e irresponsáveis a fingir serem verdade transformaram-se em punhais. Não me separo de mim porque na verdade só a mim me tenho. Sempre assim foi, sempre assim há-de ser. Insistência análoga de palavras esquizofrénicas de ajustamentos constantes sobre a empatia, o amor e amizade. Os factos contradizem as noites inventadas.
 
Ajusto-me agora a uma nova realidade. Sitio imóvel que transformarei de vida e trabalho. Farei café de madrugada para perfumar o ar. O céu, a lua e as estrelas estarão atrás de mim, à minha varanda. A lua mudará de sítio como sempre e as árvores gémeas baloiçar-se-ão a cada cigarro fumado nos intervalos.
 
Acompanham-me sítios desvirginados em passeios de moto. Meto mais cinco anos em mim e partirei por aí. Apetece-me tomar drogas para adormecer. Três horas por noite são pouco para sonhar. Apetece-me tomar drogas para acordar. Apetece-me num desaguado regresso viajar num ácido-lisérgico que transmuta o peso o conteúdo e a forma. Estou atulhado de boa-vontade, de força, fé e esperança. Quero lá saber se as terças-feiras vão acabar ou continuar, o que tenho eu a ver com isso. Como diz um conhecido “é só galgorro”.

Vê lá se atendes o telefone !

 

Deixei-te na tua casa nova, na tua nova cidade. Regressei cheio de um revoltoso sentir que me saía por todos os poros do meu corpo. Viajei de vidro aberto agarrando o ar tépido da noite. O cheiro a eucalipto na serra que cruzei, diligenciava um alívio ao aperto que sentia no coração. Vim devagar, não queria chegar. Revi o nosso tempo. Revi-te nos teus primeiros passos e ais. A tua primeira gargalhada o teu primeiro correr para o meu abraço. O teu primeiro dia de infantário, o teu primeiro dia de escola. O teu primeiro confronto. Revi os primeiros, os entretantos e os actuais. O tempo desapareceu e fugiu. Estás entregue à confiança, desejo e esperança que deixei depositado contigo no espaço que preparamos durante a tarde. Ficou confortável e com o teu toque. Ao teu gosto. Trouxe o teu perfumado, apertado e demorado abraço. Trouxe as lágrimas que não desmontamos. Trouxe o último aceno e a ultima frase humorada que não dissemos. Dormi pouco a pensar como seria o teu dormir. Estás no teu caminho. O que isto tem de mau é ser novo. Isto é um bom e desejado momento, é uma conquista tua, o teu futuro hoje. Passeamos pela tua nova cidade e pelos sítios que sei que frequentarás. Coimbra espera-te de braços abertos pelo Mondego e abençoada pela Rainha Santa Isabel. Amo-te  incondicionalmente filhota. Vê lá se atendes o telefone !...

Apaciento-me

 

Marquei o número. Atendimento de excelência. Nome, “em que posso ser útil” com a sugestão de um “à sua inteira disposição” identificação do problema, reformulação, fecho e despedida, fazendo-me crer na total disponibilidade e de um que “serei sempre bem-vindo”. Chamada de valor acrescentado que fica em cinco euros à hora. O problema está no problema que parece mesmo não ter solução. Mas tem que eu sei que tem.
 
Descabida ameaça de injunção e tribunal. Huuuuuuu. Ai que medo. Já vai em mais de cem euros a quantia de vinte e picos que não foi paga. Já me vejo em frente a um colega juiz, algemado a sair de um carro celular. Vou tratá-lo assim mesmo colega, porque eu já fui juiz das festas da minha terra. Televisões, rádios, jornais, policias, redes secretas, generais, protecção civil, helicópteros, marinha de guerra. Tudo tudo. Mesmo assim vou lá. Documentado e de elaborada fundamentação. Sonho ainda ser indemnizado pelo dia de não trabalho e pelos vinte e cinco tostões que ganharia no meu segundo emprego, mais uma data de coisas que deixei de fazer pela imbecilidade do sucedido. Sonho até ser herói nacional e ganhar as próximas autárquicas “cá na nha terra”.
 
Enquanto isso o processo anda de carta lá, carta cá, e-mail lá, e-mail cá. Pode ser que prescreva o que na maior parte das vezes não é mais do que a desresponsabilização do não pagamento de um valor que em consciência foi gasto. É o meu caso, gastei / pago. Não gastei por incompetência, foi os dias que eles dizem que eu gastei. Tenho um documento assinado pelas partes de uma rescisão com mais de cem dias de diferença e de desacordo entre mim e o fornecedor.
 
Claro que não me preocupo com isto, mas aborrece-me. No fundo também me dá um certo gozo. Afinal soluções para a identificação do problema não existem. Existem sim, técnicas de entendimento que perdem o sentido por não ser ……. um atendimento. Enquanto isso a fibra óptica prolifera e tem dias que até me apaciento.

Grita sal de água dos meus olhos

 

Grita sal de água dos meus olhos,
Adiantada saudade,
Presença ainda.
 
Noite feita sem ti,
A fechadura não cederá à tua entrada,
À tua saída.
 
O teu perfume não será o quadro na sala,
O teu sofá espreguiçado e imóvel,
A ausência feita de nostalgia.
 
Os regressos serão brindados,
Três dias antes,
Dois dias depois.
 
E assim a tua ausência,
Será comparência,
Presença.
 
Os teus livros,
A tua musica,
A gargalhada.
 
O cheiro da tua comida,
O teu humor,
O caminhar.
 
Salta-me assim,
Dos olhos,
A alegria da tua partida.

Voto letal

 

Muros, largos como países,
Mãos soltas como hélices,
Pensadas para castrar.
 
Sinuosas mentes,
Invasão, confronto e espiral,
Arquitectos do juízo.
 
A mentira feita de verdade,
A verdade faminta, vociferada,
Por decisões indecisas.
 
Vai à urna,
Deposita o teu voto mortal,
Assina a sentença letal.
 
Abril desaguado,
Maio remoto.
Ideal de liberdade, distanciado.
 
Como é bom escriturar,
Sem a guarda te levar,
Conquista primaveril gritada.
 
Deposita a sanidade,
Numa cruz em boletim,
Faz de ti o fim.
 
Latifúndios de fome,
Campos por cultivar,
Fidalgos feudais… a matar.
 
Mediáveis tempos de outrora,
Volta dos tempos fascista,
Fim dos poetas e artistas.
 
Mil pedaços de terra infértil,
Nas nossas mãos por cultivar,
E assim mataram Catarina.

O PR é sonso

 

Incrível. Não me enganei. Não gosto de sonsos. O nosso presidente da república é sonso. O tempo revelou-o afinal. É como os outros e os outros são como ele. Tudo farinha do mesmo saco. Inaudíveis. Afinal também encomenda notícias. Desta vez o tiro não saiu pela culatra, saiu fora de tempo. Na pior altura. Altura de campanha eleitoral. Uns bons milhares de votos vão passar-se para o outro indesejado lado. Azar. O bloco central na verdade existe e a direita conservadora também. O bloco central agradece a exoneração pública e noticiada do homem de confiança do PR. Nome pomposo, assessor de impressa e conselheiro político de longa data. Ar de sonso igualmente. Lobo na pele de cordeiro. É no fundo o ajuste de contas ao freeport. Digamos que é o freeport presidencial. Contas mais ou menos saldadas. Isto é tudo a mesma carneirada. Deprimente e mal frequentado este País. Gajos espertos de mais para a cabeça que têm. Dos sonsos não reza a historia. Não tenho teorias nenhumas, nunca tive e não quero ter. Só fundamentações. Preto no branco. Claro como a água, sem truques Provado e sem ser de cor. Afinal não é só a Amália que é.

Minha Joaninha voa voa

 

Os dias gastam-se. Soltam-se. Desprendem-se. Esfumam-se entre os dedos como a areia da praia. A ampulheta do tempo inverte-se. Decrescentes, os dias flutuam em direcção à partida acabada no começo. Início de um voo anunciado. Sinto-te tão próxima e delicada. Estou a teu lado, como sempre. Os teus olhos pedem abraços que te dou. Gosto do que temos feito nestes dias. Nada está a acabar, está tudo a começar. Uma nova e boa fase. Nunca o meu ego quereria que não existisse esta etapa por te perder. Nunca perderei. Se tu ganhas, ganharei. Distanciados ficaremos juntos. A minha menina está grande, vai ser maior ainda, se é que existe dimensão no tamanho do que sinto por ti. Minha Joaninha voa voa.

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