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Cardilium

Cardilium

mais do que sol

 

Serei sombra mais do que sol, mas serei.
Desilusão ou encanto
Mas serei.
 
Serei o que sou,
Sem falsear,
A minha existência.
 
Se me engano, corrijo.
Se me corrijo emendo,
Se me emendo melhoro.
 
Se melhoro gemino-me,
Mas não me ignoro mais que o sol,
Se sou feito mais que de mim.
 
Sou esperança, noite e luz,
Artista, palhaço, fantasia,
Criança, sonho e paixão.
 
Sou vento, tempestade e maré,
Porque sou assim,
Mais do que sou.
 
Vou-me de encontro a mim,
Numa guerra vulcânica.
Sou floresta e rio.
 
Liberdade sombra e sol,
Aventura, poesia,
Montes, vales, e luar.
 
Sou mais lua,
Do que sol,
Sou sombra.

A cidade não pára

 

Está mesmo mesmo a acabar. Os dias misturam-se com as noites, a vontade com a anti-vontade, a fome com a sede, e a sede com o sono. Tem sido duro manter-me acordado. Deito-me num amontoado de papéis que já não consigo discernir. Satisfação do dever cumprido. Sábado quatro de Julho está aí. Falta a outra metade porque a primeira esta feita. Aguardo os resultados que sinto estarem consumados. Fusão de sentimentos. Pais, filha, eu próprio. Questões, audácias, arrojos. Dormente e demente, letárgico e lúcido. Carregam-me palavras e pensamentos. O cheiro da madrugada vislumbra a aurora que o dia encerra. A alvorada estremece em mim. Debaixo da ponte, salpicos de chuva batem-me nos dedos entreabertos. Na fábrica de prata, uma pianista constrói sons feitos de acordes. Uma voz plácida e cristalina persegue os dedos esguios, na escala decorada a preto e branco. Teclas mágicas misturam-se. Nos meus joelhos a tua cabeça sossega, feito de nada num degrau de madeira. De tão pouco, faz-se tudo. O tempo urge em não parar ali. O tempo expira a cada passagem. O tempo cristaliza-se. A cidade não pára, eu nao páro, tu nao páras, nós não paramos.

Pois

 

Serpenteiam aborígenes desarvorados no meu sono expatriado. Sonho de cansaço. Acordado pelas imagens que em mim deambulam. Repenso como se cogitasse. Repensar é pensar varias vezes, num pensamento que não se esvai. Cedo já de madrugada. Adormeço e acordo no mesmo reduzido espaço de tempo. Acabou mais uma noite. O dia já se espreguiça na janela que me entra pelo leito adentro. Estou extasiado da alienação que o desassossego me oferta. Caminho trémulo, por mim e declino. Os dedos engrossam-me nas mãos. Palhaceio com gracejos o meu drama. Represento-me austero, apesar de tudo. O mundo esvai-se-me entre os dedos. Tenho mil anos de ideais dentro de mim. Nunca serão os dias extorquidos. O fascínio em declive, equilibra o desequilíbrio do fascínio. Germina um campo estéril. Um batalhão interroga-me. Inobservado, prendo-me nos pecados apolíticos cometidos. Grito em surdina. Rebento um tímpano, ocupado por uma substância inaplicável. Vou trabalhar, continuar e finalizar. Vou abraçar o mar sábado. E domingo vou à missa, se ninguém for. Se alguma pessoa for, volto para trás. Domingo que vem, não vou á missa, vou delinquir. Não me apoquentem.
 

matos verdes II

 

Estou com o coração aí. Guardo a tua imagem sombreada na noite antes de ires. Espero ver te como sempre te vi. Estas tão diferente, tão decidida. Apesar das dificuldades todas por que tens passado, sinto te como nunca. Deves estar a acordar. Gostei do teu ultimo contacto. Roubaste-me um esboçado sorriso. És uma mulher do “caraças”. Tens conteúdo, não te vendes, emprestas ou alugas. Bom regresso amiga grande. Até amanha. Estamos cá.

Irreais, cruéis e crassos

 

 
O peixe virá à tona tão poluído está o mar,
As ondas esbracejam-se insatisfeitas,
Desaparecem os silêncios das fogueiras acesas à beira mar,
O desejo está enterrado na minha praia,
O areal é a perder de vista, como tudo na vida,
Perde-se de vista as palavras não ditas,
Ficam as roucas vociferadas,
A coragem desvinculada não é imaculada,
Faz-se do tempo adiamento,
Justificam-se as vontades,
A loucura é estatuto,
E a lucidez a loucura,
Embriagado percorro-me
Como o sangue envenenado que frequentei,
Perco-me, encontro-me,
Encontro-me perdido,
O progresso anulou a existência,
Existo nas melodias que invento sem igual,
Desisto dos dois sois que inventei,
Irreais, cruéis e crassos.

Matos verdes

 

Minha boa, querida, fiel e única amiga. Como te disse esta noite, as palavras entre nós só atrapalham. Dizer que gosto de ti é ridículo. Os anos, o que passámos e passamos juntos, definem-no. Sabes que estou contigo. Retirar-me-ei na tua hora. Quero estar sem barulho, com a minha luz. Celebrarei numa madrugada o êxito da tua vida. Ontem em retrospectiva falamos da tua caminhada. Do teu pai, dos teus irmãos, dos amigos dos teus irmãos, e de tudo o mais que não vem ao caso. Falei te de mim. Sei que me entendes como poucos, que estás do meu lado, que te preocupas e disponibilizas. Sinto a viragem da tua caminhada. És mais sombra que sol. Vais dobrar, tal qual os navegantes fizeram do Bojador, Boa Esperança. Esperançado por ti, esperançado por mim. A ti nada te foi oferecido, sempre foi a ferros conseguido. Se fosse fácil não era para ti. Estarei por cá…

A ver os dias e as horas

 

Fingimos que não reparamos,
Que reparamos naquilo,
Que os outros fingem não reparar.
 
Precisamos todos de ver,
Aquilo que os outros vêem,
E nós não queremos ver.
 
Matamos a vida com a morte,
A morte que se faz em vida,
Na vida que a morte tem.
 
Esperançados pelos dias,
Adiamos noites a fio,
Os recomeços das madrugadas.
 
Não decidimos a hora,
A hora não tem decisão,
A hora tornou-se ilusão.

Navegar é Preciso, Viver Não é Preciso

 

 
Navegar é Preciso
 
Navegadores antigos tinham uma frase gloriosa: “Navegar é preciso; viver não é preciso”.
 
Quero para mim o espírito [d]esta frase,
transformada a forma para a casar como eu sou:
 
Viver não é necessário; o que é necessário é criar.
Não conto gozar a minha vida; nem em gozá-la penso.
Só quero torná-la grande,
ainda que para isso tenha de ser o meu corpo e a (minha alma) a lenha desse fogo.
Só quero torná-la de toda a humanidade;
ainda que para isso tenha de a perder como minha.
Cada vez mais assim penso.
Cada vez mais ponho da essência anímica do meu sangue
o propósito impessoal de engrandecer a pátria e contribuir
para a evolução da humanidade.
É a forma que em mim tomou o misticismo da nossa Raça.
 
Fernando Pessoa
 
 
 
 
Nota:
 
“Navigare necesse; vivere non est necesse” – latim, frase de Pompeu, general romano, 106-48 aC., dita aos marinheiros, amedrontados, que recusavam viajar durante a guerra, cf. Plutarco, in Vida de Pompeu]
 

Solteira e embrutecida

 

A Ministra não é parva de todo apenas me parece inacessível, com alguma dificuldade em ouvir. Problema Nacional. 17 Anos de escola e professores dão-me alguma experiência acerca do que são os ensinadores deste País. Claro que entendo que não são todos farinha do mesmo saco, mas são quase.

 

Arrisco-me a dizer, e, baseado na Estatística Descritiva e na rejeição da hipótese 0 (nula), de que haverá dois professores bons, para cada dez docentes, decentes. Mais um, de vez em quando motivado, que inteira três e dá percentualmente qualquer coisa como 33,33 %. Parece-me insuficiente. Em contra partida, desfilam avenida da liberdade abaixo, aos montes de 100%. Se fosse liberdade acima seriam certamente menos, porque para baixo todos os santos ajudam.

 

Os professores auferem de ordenado entre 1600 / 3600 euros conforme básico, secundário ou superior, e não gostam de ser avaliados, de trabalhar longe de casa etc. etc. etc. Parece me uma classe privilegiada, que nunca experimentou o mercado de trabalho na verdadeira acepção da palavra, e as suas regras de sobrevivência. Tal como qualquer pessoa que procura trabalho, se sujeita a trabalhar no que encontra, e se esforça por melhorar, aprender, apreender, arranjar formas de motivação e tentar a excelência para concretizar os seus sonhos.

 

Penso nos professores que me marcaram e ensinaram, e relembro assim de repente uma mão cheia talvez. É pouco, muito pouco. Muito mais, quando são os responsáveis, ou um dos responsáveis, do novo mundo “geracional”. Tudo bem, acredito que a ministra não ajuda, mas… só por ela, parece-me demasiada culpa. E a culpa morre solteira e embrutecida.

O rio és tu

 

Apesar da minha ausência e pouca disponibilidade social, tenho reparado no calor noctâmbulo e sonâmbulo pendido na minha janela. Negar parte de mim, seria negar a outra metade de mim. Lufadas imaginadas de imagens apoquentam-me. Sorrio aos discursos socráticos, sinto que ele me acha estúpido. Agora é sonso. Não estranho, penso até que a maior parte de nós, acha os outros obtusos. Subestimar ou atacar é asinino.

 

A falta de coragem é latente. É sempre mais fácil achar que a culpa é de todos, mas não é de ninguém em particular. Não há pachorra para este País de brincar.

 

Ontem partiu mais um dos que eu evoco como poeta de Abril. Outro Adriano, Alegre, Ary, Afonso ou Viegas, que já ninguém sabe quem são. Eleito, fez da força da música liberdade, e do encanto das palavras direito (s).

 

De madrugada dedilho a olhar para as estrelas. Sinto paz quando toco baixinho já tarde. Liberto e invento. A outra metade de mim não me habita, esta atracada junto de um barco branco à vela, num lago entre duas montanhas e um rio. O rio és tu. Velejo e embarco-me, embalo-me nas bolinas sazonais dos ventos de saudade. Adormeço languidamente exausto.

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