Para ser grande, sê inteiro, nada teu exagera ou exclui.
Sê todo em cada coisa.
Põe quanto és no mínimo que fazes.
Assim em cada lago a Lua toda brilha,
porque alta vive.”
Quem de tudo fala nada sabe. Falar do que não se sabe é agorrante e ignorante. Julgar apenas porque se esta turvado emocionalmente é genuíno, mas é mentira. Julgar a vida errónea ou certa dos outros, é apenas e tão-somente não querer olhar para o meu eu. Não tenho nada a esconder.
Comedidamente tenho ate a mostrar. Embora seja minha a escolha, das pessoas e ate do sítio. Achar que sou muito equilibrado porque os outros o não são, é no mínimo duvidoso e incoerente. Perceber isto tudo não esta ao alcance de todos. Porventura e com certeza será preciso tempo, disponibilidade, e viver-se muito mais tempo à sombra do que ao sol. A fatídica e sinistra passagem de bestial a besta é recorrente. Sou imperfeito o que me dá uma enorme margem de progressão.
Continuo pai, mãe e filho. Com papel atribuido e desempenhado. Continuo a trabalhar tantas horas quantas o dia tem. Continuo a não andar encarneirado por qualquer corrente de estados de espírito. Continuo a não colaborar, a rir quando me apetece chorar ou vice-versa. Continuo a dormir na cama que escolho dormir, não me prostituo ou alugo. Cada vez mais, menos o farei. Claro que tenho valor, claro que não engulo tudo o que me impigem, claro que sou diferente, claro que não acredito em tudo o que vejo.
Tenho massa crítica e não sou um tipo distraído. Não durmo com mulheres que dormem com amigos meus, nem que morra com esse segredo para sempre. Sou amigo antes de tudo, porque muito do que sou e tenho, ao meu conceito de amizade o devo. Não encarneiro nem tenho vontade ou tempo para negociar. Sei que colherei a semente que deitar á terra. Isso despreocupa-me e situa-me.
Vale o que vale ser filho de um deus secreto e selvagem. Sou selvagem, adequado á forma selvagem de sentir. Sou secreto na selectiva forma de estar. Sou o que sou, muito mais do que não sou. Não estou por estar.
Deixo o vento soprar palavras vindas da terra que semeei. Palavras partidas de outras terras, com outros aromas. Palavras invisíveis inundadas de universalidade. Deixo os meus lábios saírem desregrados por aí. Os meus dedos pisam cordas juntando acordes, meditando serem os teus.
O som do hino aconteceu no telefone. Corri em tua direcção. Não eras. Era um senhor formado em falar demais para me impingir um aspirador, com todas as funções empreendedoras e inovadoras que tal aparelho concebe:
“- Não aspiro respondi, o pó faz parte da decoração cá de casa.
- Sim mas também lava carpetes, retorquiu.
- Respondi:
- Mas eu sopro o pó de vez quando, e ate o inalo ás vezes, resmungou e desligou. “
Afinal não eras tu, disse o meu coração ás tripas que entretanto se enrolavam. Este sentir visceral é demoníaco. Retira-me as forças. E zanga-me com o mundo. Encolhe-me. Espanta-me, provoca-me e maça-me. Ai eu, embrulho-me em livros e noites, e mal vejo o dia. Respiro suavemente demência e ousadia. Fico abstracto e fascinado, a olhar no café concerto as imagens volantes. Não vejo pessoas, apenas vejo imagens e olhares vidrados de um divertimento preso pelos movimentos. Chega a minha hora e vou. A avenida que me conduz tem um castelo e um o viaduto. Sabe-me bem os sons que ouço, e o fresco que vem do rio. Faço duas rotundas e durmo. Desassossegadamente sossegado.
Farto-me tão rapidamente de pessoas como de mim. Canso me de me cansar. As palavras deviam ser substituídas por nada, ou por tudo. Deviam de haver cobradores de afectos difíceis. Estariam em fila de espera para punir os devedores. Aliviar os emocionais violentados seria a sua missão. Cada vez gosto mais e muito de ninguém. Gosto tanto da luminosidade da minha casa e do cheiro que lhe impregno. Tem alma, vida e alento. Tem um mar e um porto de abrigo. È quentinha. Tem música e suor. Tem paz e madrugada. Tem um nome. Tem verdade. Tem a minha verdade que nem sempre é igual à dos outros. Mas verdade é una, mesmo que cega. Sabe-me bem fumar ao luar e regar a minha flor. Já fiz uma filha, cuidei duma flor, e escrevi folhas em branco. Já quase me suicidei e salvei. Já me alfabetizei. Já parti e regressei. Os meus olhos vêem por eles mesmo, não vêm pelos de ninguém. Penso por mim, decido para mim. A retrógrada ideia de saber de alguém é extemporânea. Piso o mesmo chão que sempre pisei. A coerência de ideias iguala-me e ilumina-me o caminho. Tenho quase a minha descendente criada, revejo nela ensinamento, conceitos e valores. Valho por isso. Valho muito mais que por isso, mas por isso também. Juízos de valor são bons apenas pela incapacidade e indisponibilidade de olharmos para nós próprios. Satisfazem-me…. Os dos outros.
O sol pôs-se no salgueiral. Num caminho enlameado com árvores enroladas que me tocaram, fui dar á praia que sem sal não deixa de ter o encanto de uma praia. Os raios de lua iluminavam o café quente, que se misturavam com uns acordes de música antigos. O tempo parou no tempo. Não alcancei se era final dia ou inicio de noite. Retiras tempo ao tempo. Entre os choupos a lua espiava. No paredão só os teus passos pertencem ás escadas. Subo a teu lado. A viagem é sempre pequena porque as palavras que se gemem são enormes. Tudo se torna pequeno e grandioso. O desejo que sinto são de palavras, de olhares, de toques, de sorrisos, do quente, do ameno da tua voz, das tuas posições, do teus dedos no cabelo, da forma como te sentas, como caminhas, das cores da tua roupa, do teu cheiro, da tua boca, e da forma como te juntas a mim. O rio espera-me num barco ancorado, onde sonho contigo iniciar a viagem. Cada minuto carrega menos saudade porque fico mais perto de ti. È menos um minuto ate ti. Escrevo assim meu Amor em direcção a ti, aqui da outra margem, a margem de cá do meu sentir.