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Cardilium

Cardilium

Sei

 

- Sei de um passarinho que toma conta de ti.

- Sei de uma estrela que te ilumina.

- Sei de um mar sábio que vela teu sono.

- Sei das mensagens que o vento te sopra.

- Sei de um céu rasgado que te encanta.

- Sei o brilho dos teus olhos.

- Sei o encantamento que brota de ti.

- Sei porque sei, sem saber bem porque sei, mas sei.

Translúcidas vontades

 

Encontro os teus olhos,

Agasalhados em maresia,

Numa duna espreitando o mar.

 

O sol arrefece a tarde,

O vento visita as gaivotas,

Soltas o sorriso ao solstício.

 

Invernam em mim sóis,

Transparecem abraços,

Translúcidas vontades.

 

Adormecem no teu peito,

Dormente os meus sentidos,

Madrugada vespertina, caminho.

 

A baía vestiu-se de azul,

A madeira range solidária,

As árvores dançam a sul.

 

Do outro lado do rio,

O rio imóvel espelha paixão,

As tuas mãos percorrem-me.

 

 

Por momentos

 

Amarro as minhas mãos nos teus quadris e balanço-me. Serpenteio em cada fio de cabelo teu, um quadro imóvel, sedento de movimento de corpos suados e inquietos. Alegorias, verdes prados, e cavalos soltos ao vento, enfeitiçam as estrelas que caem no teu corpo como chuva colorida, em terra árida e sedenta. Fazes de mim encanto, quebranto e condão. Sou alquimia e rosa-dos-ventos. Numa madrugada encontrei o passado a rir com o futuro.

Exclamou!..

Porque não vieste antes?

Onde vivias?

E os teus sonhos?

És feliz?

Passei ao largo para não atrapalhar. Desciam do céu, cândidos olhares que trespassavam corpos de luz. Senti um acido envolver me a mente, que rapidamente ficou dormente. Os meus membros levavam-me, sem que eu soubesse a direcção. Abracei-te e adormeci esperando pelo acordar translúcido. Continuei no labirinto que por momentos já não o é.

O lenço com que me saúdas!...

 

O lenço com que me saúdas!

O cheiro com que me embrulhas...

Trouxe-te comigo a mim...

Ontem ao descer a serra estavas aqui...

Senti a tua presença na ilha...

Logo, logo te falei...

Sabia, sabia exactamente…

Ali, ali profundamente banal e obvio..,

Normal e vulgar…

Mas.....

Tão, tão importante

Reinterpreto

 

Remexo nos papéis amarelados que acompanham a minha existência. Sinto cada sílaba actual. Sou fiel ao que creio embora ajustado. Um mar desabrigado esta por descobrir. È vasto e impraticável. Já escrevi paredes, portas de armários e salpiquei de sangue os meus desenhos. Já ressuscitei as minhas crenças. Já fui agnóstico e profeta do que acredito. Sou abstémio mas nem sempre o fui. Estou em permanente dissonância cognitiva. Procuro analogias nas lembranças. Reinterpreto crenças, comportamentos e observações. Sinto-me uno, próximo de um Deus que não creio e desconheço. Ambivalente, renasce em mim uma irracionalidade corporativa de ajuste emocional. E assim vou andando com a cabeça entre as orelhas….observando e sentindo a razão, menos que a emoção.

Sorris à a tua existência

 

Cada lágrima que deitas sabe a saudade. Enrolas os joelhos no queixo e escondes ao mundo o teu sentir. As tuas mãos são esguias como o teu andar. O teu olhar é doce e enfeitiçado. Soltas na respiração vontades. És conteúdo. Sorris à a tua existência. Soltas o teu cabelo num afago quente. Os teus ombros embalam os teus passos. Pintas no teu caminho cores sóbrias e frases sentidas, pelo entrelaçar cheio das palavras que habitam a tua boca. Sentes pelo coração cheio de tudo e vazio de nada. O teu caminho de repente clareou com o brilho da estrela do incenso. Saboreias a musica. Tudo se revela sem procura. A vida tem como mistério não saber o amanha. Tem como sabor não saber a decisão. Tem como boa ventura, saber apenas e só, que qualquer condenação pode acontecer. Podemos na verdade estar condenados a sermos felizes. Tem como magia, não sabermos falar de factos efémeros ou definitivos. Tem como sabedoria, saber que hoje vivemos o que aqui e agora, e que a fé esperançosa de um novo dia esta viva. Os sorrisos, mais que as gargalhadas, são vontade em crescendo e paz. Sossegadamente desassossegado no mundo já inventado, mesmo habitando-o a espaços.

Albergo-me

 

Na verdade gosto pouco de pessoas, ou gosto de poucas pessoas. Na verdade os momentos cheios de solidão não me desagradam. Na verdade não sou solidão, porque me acompanho. Não gosto de pensamentos judicativos. Preciso de entender os meus pensamentos e pouco os dos outros. Albergo-me nos meus livros e cd.s, nas minhas passeatas, e gozo pouco em estar com pessoas. Mas existem algumas raridades que me acompanham e não me sinto deslocado. Mas ou é do “cu ou das calças” são poucos seres com quem me sinto assim. Acrescento sempre e passo a redundância, pouco valor acrescentado. As pessoas cansam-me. Há uns dias para cá que me apetece sossego e silencio, e o silencio do ar íris é tão cansativo, como as palavras em noite de lua cheia. È pertinente desaguar num mar inventado, fazer da foz o meu lugar. Desaguar-me ali mesmo num fim de tarde rude e frio. È aconchegante ficar à margem, numa margem baralhada com estrelas, sons e cheiros, escutados da natureza expressa pelas formas do meu sentir.

 

Como se um incêndio me afogasse

 

Num delírio constante e persistente embalo o meu sentir. Um rio é sempre jovem e renovado. Disfarço que esta tudo bem dentro de mim fingindo por fora. O tempo anda à solta numa correria sem fim. Não sei do meu sítio. O meu sítio é fugaz, o meu ser é perpétuo. Tantas vezes subo aquele monte em direcção a mim, quantas as que desço. Os dias intermináveis de espera maçam-me, torturam a minha vontade e elevam uma desesperançada e desassossegada forma comportamental que me corrói o ser. Suicido-me assim aos bocadinhos numa desenfreada dança de mim próprio. Arranco do meu peito o coração e estendo-o à lua. A brisa dos raios de lua cheia clarificam-no. Sou arauto da minha própria liberdade. Uma onda de tempestade evoca que te amei mesmo antes de te conhecer. Escondo-me dentro de uma nuvem e vejo o sol embrulhar-me na areia duma praia deserta onde o teu peito me afaga. O caminho ficou desenhado na areia e as rochas testemunhas do teu olhar. Perco-me nas horas dos pescadores e das gaivotas, como se um incêndio me afogasse. Sou claridade neste delírio constante.
 

Repouso o meu coração na saudade

 

Repouso o meu coração na saudade,
Nas paredes do meu porto seguro adormeço,
Entre o calor que construo,
E as vagas de ternura que invento.
Solto me das amarras que a vontade ergueu,
Rios de sorrisos soltam me as mãos presas.
 
A floresta deixa romper a madrugada,
Um feixe de luz cega-me,
Caminho entorpecido pelo medo que me move,
Em cada sonho dobro o anterior.
Acordo suado do sonho adiado,
Poiso a esperança no tempo.
 
Percorro pelas cores uma a uma,
O lilás perfila o cinzento,
O branco fere-me a alma,
Que matizo com castanhos.
Revoltos no mar castanho de areia,
Que abrandam o azul navegante.
 

Continuada caminhada

 

Acerca do envelhecimento parece-me que existem corpos velhos em mentes novas, novas mentes em corpos velhos, e os disfarçados pelas novas tecnologias e engenharia cosmética, que empobrece por dentro uma alma já por si empobrecida. Sermos iguais aos nossos filhos e acharmos que temos a energia dos nossos netos é antinatural. A serenidade dos nossos velhos traços são ensinamento, são mensagem, são mistério e história. Alguém que se reduz no tempo, e ao tempo, e tem como móbil a juventude, vive empobrecido por um espírito que envelheceu. Quem traz nas rugas o ensinamento, é alguém que não quer parar de aprender, que desmistifica no mistério do envelhecimento a natureza que construiu com a observação e a experiência. Alguém que fala de madrugadas, de viagens, de afectos, de erros, de acertos, de poesia e de poetas, de contadores de historias, de revoluções, de paz, de marés, de amigos, de fogueiras, de saudade, de desejo, de céu, de mar, e de esperança, é alguém vivo, sedutor e que sabe o seu lugar na vida, que sabe o caminho que fez e o glorifica, que sabe o caminho para onde quer ir e com quem quer fazê-lo, com quem o deseja dividir. Alguém que tem no desejo da partilha, transformar a efémera felicidade em continuada caminhada.

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