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Cardilium

Cardilium

Ontem fui ao jazz

 

Do nada o contrabaixo gritou com a mulher. A guitarra estridente rabujou. Ontem fui ao jazz. Partiram-se copos em desvario ao dançar. Uma rapariga de pernas altas, recolhia em cinza, os cigarros que nublavam o aroma, e o ar misturado de camomila a ferver em água. O senhor vidrado nas baquetas ritmadas, enfurecia-se com as palavras ditas altas, que destroçavam os acordes suados que não se perdiam no sentido. O caminho para a casa de banho era uma passerelle, embrenhada em sons quentes. O meu sonho continuava ainda antes de começado. Iniciara-se naquele momento, vermelho como os cortinados caídos pelas paredes. Não reclamo, não existe cláusula vigente e outorgada para o fazer, não existe razão, não existe legislação aplicável. Existe somente os acordes cada vez mais suados e roucos, do contrabaixo com corpo de mulher. Existe o som estridente da guitarra, ritmado e partido pelo bombo e o prato de "chocos". Existe isto, existe aquilo. Existe o teu olhar, o meu olhar, o baixo olhar, e o alto olhar. O contemplar sem ver e o ver sem contemplar. Existem montes debruçados em carreiros estreitos para as salinas. Adivinha-se a maresia que o mar empurra. Existe o céu que baixa com a noite, feito aqui e agora sem me prender. Embora tenha ido ao jazz ontem á noite, ainda lá estou. Fiquei por lá.

 

Amei na Gelfa

 

Morrem os textos em amontoados no parapeito da minha janela. Troco-os por notas, que luto desenfreadamente em cada semestre, a caminho de um mestrado que faz de mim, apenas e tão-somente, um navegante quinhentista. Este está feito. Darei vida a outros textos, que criarei sob o comando directivo de um comandante. Sou imediato, abaixo de cão. Continuo, madrugada após madrugada, a procura incessante das palavras, e dos conceitos mais apropriados. Pelo caminho “acho coisas”, reinvento-me. Pelo caminho “sinto coisas”, tenho tempo, invento e vivo. Usei sempre o tempo por intuição. Quase que me sinto ao contrario. O mestrado será apenas um apêndice acerca de “algum pouco conhecimento adquirido, um cunho pessoal”. Comecei a minha aprendizagem de vida novo e quase morri. Agora estou mais vivo que morto, contai com isto de mim, para cantar e para o resto. Amarei sempre. Nunca se deixará de amar, alguém que já se amou. E eu já amei e tive medo. Amei poucas vezes. Amei na Gelfa......Venha o proximo semestre.

Deixa-lo estar!...Festejemos em sua honra!...

 

Brutal e ruinoso o meu desajustamento. A realidade com que escrevo ajusta-me. Renego o que escrevo como se de uma foto antiga e ridícula se tratasse. As palavras relidas são dolorosas. Os textos morrem escritos. A vida está nos textos por escrever. Ajusto assim o meu sentir. Olho o imenso mar de gente e agonizo. Recuo, tomo balanço e vou de encontro à vida. A minha loucura casou com a lucidez. A verdade e a mentira são vulgares. Vivêncio estímulos eléctricos a cada ordem de comando do meu cérebro. Cristalizo na minha memória tardes e adormeceres. Noites e acordares. Madrugadas e penumbras. Luz e pôr-do-sol. A lua espia cada passo meu. O meu coração é agora fragmento. As palavras pulam da minha garganta seca. Os meus olhos cintilam de água. A liberdade está a passar por aqui. A maré-alta vem ás vagas, espumando presos atributos que se escondem na areia negra dos sonhos. Está fresco e em crescendo este inexplicável rugir de protesto. O Abril ainda vem em Africa. O Maio está a amadurecer a promessa. O hoje é madrugada. Lá fora imóvel vive o medo que a noite contêm ao clarear. Ai se eu pudesse negociar a vida. Se eu pudesse escolher a forma de partir. Se eu pudesse preparar o festim.
 
Morreu magistralmente diriam os poetas!... Deixa-lo estar!...Festejemos em sua honra!...

Esse mar !

 

O mar que nos separa em distancia
Satisfaz nos em ideias.
É desse tamanho
Tamanha a saudade.
Falta o tempo
Que corre sem parar.
De regressos fazem-se reencontros
Que nem o tempo ou mar pode estacar.
Sopra me o vento segredos,
Escondidos no nevoeiro,
Mas tão claros no meu peito.
Dá-me luz,
Um sinal,
Um caminho,
Um abraço,
Uma palavra,
Um sorriso,
Envia me o sol,
Pinta me um prado,
Escolhe um recanto teu para mim.

No leito jaz o meu corpo exausto

 

O épico sentir é como uma trova na clareza da decisão. Oiço dias a fio, o esboço de um sorriso clandestino, estranhamente entranhado e íntimo em mim. No leito jaz o meu corpo exausto pela espera de não ter o corpo da alma que me seduz. O lençol branco guarda a imagem que pintaste com o teu sorriso. Guardo os teus dedos cerrados e suaves. Invade-me a cólera do ciúme do amor que não tenho. Invade-me um lânguido pensamento acerca da uma vida que não é minha. Mato a minha decisão sem nunca ter apreendido o método. Sem nunca ter arriscado o baptismo visceral da sudação que o pensamento da privação me causa. As náuseas habitam-me naturalmente. Irei fazer e defender, acerrimamente uma tese acerca do procedimento intra-relacional. Encho de saudade o meu peito. Esta atestado. Não a vou deixar esgotar. Enrolo um cigarro e cuspo fumo ao vento. Ao longe entre verdes montes adivinhados, escuto o brilho do sorriso após cada sinuosa curva. Oiço gemidos de abraços por confiar. Adivinho o mar e o rugir do vento embaraçado pelas nuvens, que pousam em mim. Está escura a noite, a lua nova esta a mingar. Escasseia a ergonomia de um corpo visível apenas, intocável. Beijo te a alma com o coração.

Experimento o bom que a saudade tem

 

Eu gosto da praia à hora das gaivotas. Gosto dos azuis esverdeados e das cores turquesas que nascem na ilha. Gosto de me perder no horizonte quando o céu se torna uno com o mar. Penso junto perdido no olhar. Imagino uma rocha desenhado pelo teu corpo. Oiço o mar gritar o teu nome de cada vez que me toca e foge. Percorro o movimento sem lógica das ondas, na lógica do teu andar. Sabe a sal a tua saudade nos meus olhos. Festejo cada dia como véspera do reencontro. Moldo a fantasia como representante do meu fascínio. Descubro no mar uma peça de teatro escrita na areia. Os caminhos que me conduzem plantam uma floresta de ideias. Cultivo canteiros de imaginários, neste avassalador sentir misto de paz e guerra. O conceito lato de igualdade de dor e felicidade subscreve o meu sentir. Soam melodias sopradas por silêncios e olhares cheios de notícia. Sopra em mim a brisa de uma tarde sem vento, debruada com campos intermináveis de sonhos e abraços. Imóvel desço ao mais profundo de mim e calo. Experimento o bom que a saudade tem.

Dança comigo

 

Dança comigo.

Dança comigo naquele pedaço de rocha que o mar esculpiu descansado.

Dança vagarosamente na areia em que deixas o teu caminhar.

Brinda ao sol que trouxeste no sorriso.

Glorifica o cheiro que deixas ao passar.

Menina mulher tão cheia de vento.

Mulher salgada tão cheia de tudo.

Lanças palavras ao firmamento.

Arco-íris inventado.

Nuvens já tão claras.

Rompe de agua o teu vibrar.

Abraço, melancolia, poesia.

Pintas uma tela com o olhar.

Os teus lábios morenos fazem amor ao beijar.

Os teus beijos são quietude.

Os teus passos são presença.

São sossego.

São desejo.

São o céu e o inferno.

São viagem.

São o mar.

Perco-me nos corredores intermináveis de raciocínios que me levam ao teu rosto

 

A destruição criativa das madrugadas em prol da normalidade de um sono induz-me à reflexão. Subo as escadas de Fevereiro em direcção à soma de mais um ano de vida. O crepúsculo da vida esta morto. Cada dia mais, aprendo a ler. Cada dia mais confisco o olhar. Cada dia menos, sou palavra. Cada dia mais, sou a alegria do silêncio. Cada dia menos o burburinho me embriaga. Perco-me nos corredores intermináveis de raciocínios que me levam ao teu rosto. Tenho o teu cheiro a dançar ao vento. É visceral o que me eleva nas madrugadas.

 

A paz habita o silêncio

 

A paz habita o silêncio. A paz é gémea do silêncio e siamesa das palavras. Ontem um grito explodiu-me na cabeça, e uma luz forte fez uma planície. Ao longe um bando de gansos guiava-me no alaranjado por do sol. Amo em branco. Sonho com uma escarpa lilás e umas raízes de árvore embaraçadas como um nó cego. Sento me e refresco-me numa fonte que geme agua, de uma encosta virada a sul. Adivinho o horizonte que esta distante. Alimento-me de silêncio tal qual o Almada Negreiros. Tento mudar uma pedra com a imaginação. Move-se. Vejo-a mover-se. Prolongo-me na eutanásia que sonho para a minha vida. Ontem fui caminhante e marinheiro, neste mar inventado na planície. Hoje sou guerreiro. Amanha serei arauto da paz. Invento malditas profecias que dedico aos mais ilustres seres deste planeta. Desejo aquele abraço que não dou. Arde dentro de mim um sonho sem pressa, um sonho feito de tempo e incerteza. Sou muito mais do que o que sonhei ser. Eternamente insatisfeito pelo sonho adiado de ter. O céu já arroxeou as minhas mãos ásperas de tanto escavar a terra. Ardem de um assossegado desassossego. O silêncio incorporou-me de fascínio os dias.