Saltar para: Posts [1], Pesquisa [2]

Cardilium

Cardilium

A minha rua és tu

 

Alcatroaram a rua onde cresci.
O caminho já não levanta poeira.
Mudarei de caminho.
Mudarei de rua.
Já não a quero.
Sem arvores,
Sem brancos,
Sem cheiro a roupa delicada estendida,
Sem rio.
Não a quero sem acordes no ar.
A chuva já não cheira igual.
A madrugada lilás já não é lilás.
Os pedaços de gente de madrugada já não existem.
A água sem cor pincela as recordações.
Brutal a mudança.
Austera.
A minha rua já não é a minha rua.
Pensar é destruir.
Suicidaram a minha rua.
Suicidar não é homicídio.
É obrigar a desistir.
A minha rua emigrou para parte incerta.
Não deixou rasto.
Nem parentes.
Deixou me apenas a mim.
A minha rua és tu.

19.09.2009

 

Enquanto todos bebem, cantam e dançam euforia, eu refugio-me na culpa de não sentir. Os olhos baços pela força do fim. O percurso por vezes árduo e fora de tempo acabou. Fora de tempo não existe. Nem sei se existe o tempo. A alegria mais me parece um vulcão paralisado pelo medo. Saí aquele portão com estatuto. Estatuto de não voltar mais. Estatuto para o mundo, não para mim. Sou o mesmo tipo que entrava por ali dentro diariamente embalado pela música. Saí mais pobre deixei as pessoas no seu caminho. Está feito, foi a 19.09.2008. Não me sinto como a maior parte das pessoas. Não sou melhor nem pior, sou diferente. Embriago-me de sentires e tento dormir. Toco, escrevo e leio. A minha comemoração foi em surdina e reservada. Após alguns dias, sinto finalmente uma alegria que me faz andar de sorriso no coração, e de alma iluminada pela satisfação do dever cumprido. Penso em pessoas. Possíveis pessoas que reuniria á volta de uma mesa, onde trocaríamos abraços e olhares cúmplices. Pessoas a quem sorriria. Pessoas que preciso para me sentir pessoa. Não é um fim, foi uma etapa concluída. “Enquanto houver ventos e mar, a gente vai continuar, enquanto houver ventos e mar, que a dependência é uma besta, que dá cabo do desejo, e a liberdade é uma maluca, que sabe quanto vale um beijo”

Arvore estrela

 

A forte sensação do segredo e do pecado mata-me. Viver preso ás convenções é ser parte da convenção. Detesto a cobardia de não me meter ao caminho. Tenho a ver com livros, não tenho a ver com o sítio onde vivem os livros. Não tenho a ver com letrados. Gosto da sabedoria duradoura dos iletrados. Não gosto do bom gosto, de provérbios ou senso comum. Se a nossa liberdade começa onde acaba a dos outros e vice-versa, então o senso comum não existe. Existe as boas ou más intenções pinceladas com atitudes.

 

Sento me no fresco

Duma velha e grossa arvore,

E solto o meu olhar.

 

As raízes! Obras de arte.

Entrelaçam-se,

E insinuam-se.

 

O seu fruto

A sombra  

A sua cúpula, eternidade.

 

A sua vida.

Segredos

Roubados aos amantes.

 

Banco de pedra, escravo.

Miséria de pranto,

Saudade.

 

Trespassa,

Um raio de lua,

No meu olhar

 

O fumo denso

Esfaqueou

O nevoeiro oprimido.

 

Arvore, estrela,

companhia,

caminho.

 

 

dez anos

 

Dez anos de vida numa noite. O mesmo cheiro. O mesmo sabor, o mesmo suor. As mesmas lágrimas, o mesmo sorriso. A velha música incógnita transpira das paredes do bar. Corpos seduzem em passos lentos de dança. O novo abraço sabe a antigamente. Os números são rudes, inflexíveis, rígidos. As letras são arredondadas. A sua soma faz a vida. Descreve-se o sentir com letras. Bebe-se café com literatura. Os números baralham as emoções. A soma das letras constroem as palavras que sussurro, rabiscam peças de teatro. São a realidade e o sonho. Tenho uma praia inventada com o mar. Tenho uma montanha debruada de sol. Tenho um sono inquietante e respirado. Os parênteses condicionam, as virgulas invertem. Amor não é, e é apenas uma corrente desorganizada, de sentidos e desejos consentidos. Dez anos de caminho, fervem no meu sangue, misturados com a corrente contrária do sentido. A esquina dobrada do regresso é visceral, tal como o tempo que os dias esgotaram. Faz sentido a volta. Faz sentido a saudade.