A minha rua és tu
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Enquanto todos bebem, cantam e dançam euforia, eu refugio-me na culpa de não sentir. Os olhos baços pela força do fim. O percurso por vezes árduo e fora de tempo acabou. Fora de tempo não existe. Nem sei se existe o tempo. A alegria mais me parece um vulcão paralisado pelo medo. Saí aquele portão com estatuto. Estatuto de não voltar mais. Estatuto para o mundo, não para mim. Sou o mesmo tipo que entrava por ali dentro diariamente embalado pela música. Saí mais pobre deixei as pessoas no seu caminho. Está feito, foi a 19.09.2008. Não me sinto como a maior parte das pessoas. Não sou melhor nem pior, sou diferente. Embriago-me de sentires e tento dormir. Toco, escrevo e leio. A minha comemoração foi em surdina e reservada. Após alguns dias, sinto finalmente uma alegria que me faz andar de sorriso no coração, e de alma iluminada pela satisfação do dever cumprido. Penso em pessoas. Possíveis pessoas que reuniria á volta de uma mesa, onde trocaríamos abraços e olhares cúmplices. Pessoas a quem sorriria. Pessoas que preciso para me sentir pessoa. Não é um fim, foi uma etapa concluída. “Enquanto houver ventos e mar, a gente vai continuar, enquanto houver ventos e mar, que a dependência é uma besta, que dá cabo do desejo, e a liberdade é uma maluca, que sabe quanto vale um beijo”
A forte sensação do segredo e do pecado mata-me. Viver preso ás convenções é ser parte da convenção. Detesto a cobardia de não me meter ao caminho. Tenho a ver com livros, não tenho a ver com o sítio onde vivem os livros. Não tenho a ver com letrados. Gosto da sabedoria duradoura dos iletrados. Não gosto do bom gosto, de provérbios ou senso comum. Se a nossa liberdade começa onde acaba a dos outros e vice-versa, então o senso comum não existe. Existe as boas ou más intenções pinceladas com atitudes.
Sento me no fresco
Duma velha e grossa arvore,
E solto o meu olhar.
As raízes! Obras de arte.
Entrelaçam-se,
E insinuam-se.
O seu fruto
A sombra
A sua cúpula, eternidade.
A sua vida.
Segredos
Roubados aos amantes.
Banco de pedra, escravo.
Miséria de pranto,
Saudade.
Trespassa,
Um raio de lua,
No meu olhar
O fumo denso
Esfaqueou
O nevoeiro oprimido.
Arvore, estrela,
companhia,
caminho.
Dez anos de vida numa noite. O mesmo cheiro. O mesmo sabor, o mesmo suor. As mesmas lágrimas, o mesmo sorriso. A velha música incógnita transpira das paredes do bar. Corpos seduzem em passos lentos de dança. O novo abraço sabe a antigamente. Os números são rudes, inflexíveis, rígidos. As letras são arredondadas. A sua soma faz a vida. Descreve-se o sentir com letras. Bebe-se café com literatura. Os números baralham as emoções. A soma das letras constroem as palavras que sussurro, rabiscam peças de teatro. São a realidade e o sonho. Tenho uma praia inventada com o mar. Tenho uma montanha debruada de sol. Tenho um sono inquietante e respirado. Os parênteses condicionam, as virgulas invertem. Amor não é, e é apenas uma corrente desorganizada, de sentidos e desejos consentidos. Dez anos de caminho, fervem no meu sangue, misturados com a corrente contrária do sentido. A esquina dobrada do regresso é visceral, tal como o tempo que os dias esgotaram. Faz sentido a volta. Faz sentido a saudade.