O rosto enrugado pela dureza do frio esbatia-se na sombra do seu corpo ao passar. As mãos fortes enfeitadas de dedos grossos eram seguras. Passou de assalto anos a fio, as madrugadas de Espanha para Portugal, curvado pelo peso do medo de ser preso. A morte escondia-se diariamente entre os ribeiros e as pedras que tão bem conhecia. Os seus olhos desconfiavam de cada movimento á sua volta. O olharento vigor onde depositava o seu olhar, era trocado pelo ar frio e distante com que se habitou a ver, sem olhar. Sabia bem distinguir o cheiro do pão que lhe conduzia a viagem. De sete horas nocturnas eram feitos os seus dias. A polícia ainda hoje lhe mete nojo. Um nojo miserável. Nojo pelos tiros que não o alcançaram. Pelos roubos e pelas prisões que lhe prometeram, em nome da liberdade. Passava café aos quilómetros, entre o frio espesso e as pedras duras do caminho. Calculava que cada pedra tinha mil anos. A fome da refeição que o aguardava, fazia-lhe cada passo mais firme que o anterior. As encomendas eram feitas numa surdina temerosa. A noite de 24 de Dezembro era boa para a passagem. Não tinha rota. Seguia sempre o roteiro normal do silêncio. A sua cama aquecida esperava-o sem perguntas, espreitando em cada sombra o ruído. Era contrabandista dizia-se. Contrabandeava sonhos. Sonhos de uma vida melhor….o contranbandista.
Não posso deixar de exprimir o meu desacordo sobre os gastos supérfluos que um País falido faz com a época a que chamam hipocritamente Natal. Sou da opinião, que aquando do baptismo ou outro sacramento qualquer natalício (de nascimento), se explicasse logo ás crianças que o natal é um a treta, que o natal é uma mentira inventada para escoar produtos não vendáveis, oferecer cobertores e uma refeição aos sem abrigo, para purgar a alma dos que enriquecem sem escrúpulos. No tratado de Kioto, devia de haver uma cláusula proibitiva dos gastos energéticos despropositados e economicamente insustentáveis, ou melhor sustentados sempre pelos mesmos. Nós, os contribuintes. Deviam-se apagar as luzes e não acende-las. Que parvoíce, que despropósito.
Acordei dum desassossego mudo. Sonhei com felicidade. Tamanha loucura mete-me medo. Felicidade. O cheiro a terra semeada de solidão embrenha-se-me pelos poros adentro. O sol pinta a minha resistência. As palavras são surdas e duras quando em confronto. São escorreitas e doces aquando em dança celebram verdade. Gosto de cegar e ver pessoas a passar. Cada passo segue uma direcção. Cada passada obedece ao sentido que lhe é ordenado. Observo a tristeza de um olhar que não enfrenta. Reajo aos risos. Entendo os sorrisos e as lágrimas que se aglutinam na rua feita de movimento. Cego, decido olhar. Subo, desço e vivo a vida na fantasia que construo com a minha cegueira. As crianças contemplam com olhar de descoberta, enquanto passeiam balões pela mão. Caminham em correria com se cada pedaço de passeio fosse um jardim imaginário. Como se cada declive fosse um baloiço, como se cada baloiço estivesse habitado por outra criança. Subo a direcção do Chiado prendido á esquina onde ecoam alfarrabistas, do sonho das palavras. Falta-me terra. Falta-me cheiro a terra. A encosta da serra que me sombreia abrigou-se entre as casas. Mudaram de cor as casas de retoques coloridos. As varandas. Discreto azul-bebé. Adiante, os passos assinalam as giestas. As flores penduram-se languidamente nas paredes. Matizam de lucidez as auroras. Os balões estouram num festim concebido pelo mar que se avizinha. As ondas enrolam o sonho. O sonho comanda a vida…!
11.09.2007 musica tocada pelo vento e vou. Levo uma bomba pronta a detonar. Entrego-a em mão ao destinatário. Mando-me para o chão agarrado a nuca á espera do estouro. Três meses em horas já lá vão. Explodiu? Não senti. Aos poucochinhos fui sentindo aqui e ali pequenas explosões, á medida que ia sendo detonada com cuidado, com muita cautela. Senti a pele arrepiada pela sua pujança, em pequenos momentos que teimei registar. A bomba dividiu-se em pequenas partículas. Converteu-se numa força de bem, e, de bem-querer. Perdura forte. Tem a primazia da transformação. Ontem, enquanto ouvia as preocupações de um sobrado, revivi a quimera do Amor. A quimera fez-se de luz. Oiço-a na respiração das madrugadas que acordam de manha. Oiço-a no bater do mar, no rochedo do farol que dá para a serra. As angústias são caminhos de reencontro. As partidas são imaginadas com os regressos. Sinto fervilhar o sangue, numa ebulição para alem da temperatura das alterações gasosas. Sinto as intempéries desceram de mim. Vejo metade da lua. Vejo o sorriso da lua para as tempestades. Não vivo no sítio onde moro. Moro num sítio habitado por pessoas e lugares que escolhi. Vivo com os meus livros e respiro com as minhas músicas. Os electroes sao agora energia que me alimentam