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Cardilium

Cardilium

Penso demasiado em tudo e quando supérfluo em nada

O cepticismo castra a emocionalidade, a razão promove o devaneio defensivo da emoção. Penso demasiado. Se pensasse menos não seria eu. Gosto de pensar e saber pensar. Gosto de germinar autocrítica e do poder de decisão crescente e adquirido das minhas escolhas. Se pensasse menos seria mais rude e casto. Penso demasiado em tudo e quando supérfluo em nada. Faço do tempo esfarrapado, bocados de mim. Transformo as minhas decisões em irrecuperáveis estados de ânimo, como se esperasse numa longínqua fila a perder de vista a permuta da minha alma em troca de nada, da miséria e do tempo perdido, no pensar em tudo o que é nada. Sei imediatamente o que é nada mesmo acreditando que é tudo. Sei o que é tudo mesmo que o medo agravativo do nada, me aliene o estado infectado da paixão. Tudo não é nada e nada não é tudo. Nada e tudo são como números. Tudo é tudo, nada é nada. Não adianta transformar somas exactas em formas aleatórias de variantes discretas. Um quadrado é sempre uma raiz elevada e as raízes são quadrados estanques, sem volatilidade aplicada. Tal qual como o tudo e o nada. Nunca tive tudo, mas também nunca tive nada, e não tendo nada já tive tudo.

 

Já tive porções de nada e bocados de tudo.

 

Penso tanto e tão pouco. As folhas continuam a adornar o passeio em frente da minha casa. Adornados em círculos como se pendurantes de brincos de pérolas fossem, num balancé em orelhas adornadas. O céu ficou cinza e morre no longínquo do horizonte. As nuvens desenham no céu a despedida do dia. Ergue-se o cheiro a lenha ardida nas lareiras da vizinhança. Tento adivinhar a vida e fumo um cigarro em frente a este quadro pintado de tudo. O movimento na rua vai-se guardando e amansando. No café da esquina vejo pessoas a conversar em sussurro, como se temem-se serem escutadas. Nunca entendi muito bem a atitude de estar horas perdidas num café a conversar, mas entendo muito bem, estar horas descobertas num café, em silêncio. Gostava que estivesse nevoeiro esta noite. Gosto do anonimato do nevoeiro, da sua frescura, do seu encantamento, e do receio que os vultos me causam. Já me desencontrei de pessoas que julguei eternas no nevoeiro da vida. Já ouvi risos que me souberam a lágrimas e lágrimas forjadas de sorrisos. As segundas-feiras à noite sabem-me a isso, lágrimas desencontradas no nevoeiro. As terças, a lágrimas transformadas num quente e bem-vindo sorriso. As quartas, a trabalho. As quintas, a ilusão. As sextas, a recatamento. Os sábados, a natureza e os domingos a futebol. Afinal, não tendo nada, sou todo por inteiro... E tenho tudo, tudo.