As ondas enrolam o sonho
Acordei dum desassossego mudo. Sonhei com felicidade. Tamanha loucura mete-me medo. Felicidade. O cheiro a terra semeada de solidão embrenha-se-me pelos poros adentro. O sol pinta a minha resistência. As palavras são surdas e duras quando em confronto. São escorreitas e doces aquando em dança celebram verdade. Gosto de cegar e ver pessoas a passar. Cada passo segue uma direcção. Cada passada obedece ao sentido que lhe é ordenado. Observo a tristeza de um olhar que não enfrenta. Reajo aos risos. Entendo os sorrisos e as lágrimas que se aglutinam na rua feita de movimento. Cego, decido olhar. Subo, desço e vivo a vida na fantasia que construo com a minha cegueira. As crianças contemplam com olhar de descoberta, enquanto passeiam balões pela mão. Caminham em correria com se cada pedaço de passeio fosse um jardim imaginário. Como se cada declive fosse um baloiço, como se cada baloiço estivesse habitado por outra criança. Subo a direcção do Chiado prendido á esquina onde ecoam alfarrabistas, do sonho das palavras. Falta-me terra. Falta-me cheiro a terra. A encosta da serra que me sombreia abrigou-se entre as casas. Mudaram de cor as casas de retoques coloridos. As varandas. Discreto azul-bebé. Adiante, os passos assinalam as giestas. As flores penduram-se languidamente nas paredes. Matizam de lucidez as auroras. Os balões estouram num festim concebido pelo mar que se avizinha. As ondas enrolam o sonho. O sonho comanda a vida…!