Ah, Saudade
“...Admira-me a sabedoria dos homens ante os outros sujeitos. Cegos, surdos e deveras falantes. Presunçosos e francamente sensíveis à oposição dos seus pontos de vista. Somos incapazes de realizar a simbiose entre a verdade de nós próprios e a verdade absoluta e inconveniente, como uma concertação possível a um entendimento. Isso tornaria a verdade única, ditatorial e absoluta, em verdade relativa, aberta e construtiva. Sabemos sempre o melhor para a vida dos outros, porque temos experiencia, somos informados e visionários, com se uma vida fora de nós fosse a nossa própria vida. Assim é fácil. Com a nossa quase nunca assim o é. É difícil. Não sabemos o caminho. Não temos soluções. Mascaramo-nos. Adiamos. Procrastinamos. Sabemos tão-somente o que sentimos, e é nessa altura que elegemos um nome para tal estado de espírito, e nem sempre acertamos. Alcançamos mediante a nossa evolução espiritual e acertamos com os erros. Os erros são acertos. Dar-nos o direito de estarmos em nós, é um dever. A prisão é como a liberdade. Existem liberdades presas de tudo. Mortes cheias de vida. Vidas amofinadas. Teorias politicas e filosóficas desumanizadas, contrapondo o fim para que foram socialmente pensadas, sem escrúpulos, economicamente viáveis, mas dependentes de terceiros. Depois há em nós ruínas por edificar e crianças interiores por soltar. Há sempre alguém que nos faz falta. Ah, Saudade...”
In ... De um filho de um deus secreto e selvagem, num sábado que não parece sábado
“...é talvez sinal de prisão ao mundo dos fenómenos o terror e a dor ante a chegada da morte ou a serena mas entristecida resignação com que a fizeram os gregos uma doce irmã do sono; para o espírito liberto ela deve ser, como o som e a cor, falsa, exterior e passageira; não morre, para si próprio nem para nós, o que viveu para a ideia e pela ideia, não é mais existente, para o que se soube desprender da ilusão, o que lhe fere os ouvidos e os olhos do que o puro entender que apenas se lhe apresenta em pensamento; e tanto mais alto subiremos quando menos considerarmos a morte como um enigma ou um fantasma, quanto mais a olharmos como uma forma entre as formas...”
In ... Agotinho da Silva
“...privatize-se tudo, privatize-se o mar e o céu, privatize-se a água e o ar, privatize-se a justiça e a lei, privatize-se a nuvem que passa, privatize-se o sonho, sobretudo se for diurno e de olhos abertos. E finalmente, para florão e remate de tanto privatizar, privatizem-se os Estados, entregue-se por uma vez a exploração deles a empresas privadas, mediante concurso internacional. Aí se encontra a salvação do mundo... e, já agora, privatize-se também a puta que os pariu a todos...”
In ... José Saramago - Cadernos de Lanzarote - Diário III - pag. 148
“...fico admirado quando alguém, por acaso e quase sempre sem motivo, me diz que não sabe o que é o amor. Eu sei exactamente o que é o amor. O amor é saber que existe uma parte de nós que deixou de nos pertencer. O amor é saber que vamos perdoar tudo a essa parte de nós que não é nossa. O amor é sermos fracos. O amor é ter medo e querer morrer...”
In ... José Luís Peixoto