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Cardilium

Cardilium

O profano, o laico e o sagrado

No meio do deguste de uma galinha de tomatada no Alentejo profundo onde a vida corre demorada e pachorrenta e meio inexistente, no descanso soberbo e na pratica vulgar de fantasiar acerca da vida que não se sente, emerge em mim de repente um arrepio, num guinchar agudo de um carrossel improvisado. Dois petizes excitados pelas voltas do dito, após desmiolarem os miolos do pai que não aguentou a depositar a moeda magica que faz o milagre do movimento rotativo do mesmo, quase me matam o momento farto e tranquilo com que me seduzo e trato. Estava a ter uma refeição longínqua e orgásmica. Não sei porquê nem porque não, pensei no Rui Zink e no Miguel Esteves Cardoso, personagens senhoras de um humor elaborado, de como dizer às pessoas que existem atitudes menos inteligentes, em pessoas inteligentes. Adoro ver miúdos excitados, felizes e contentes, detesto a ideia de terem posto tal estratagema, mesmo defronte à mesa onde saboreio a minha galinha de tomatada.

 

A planície perde-se no acto de adivinhar o que existe para além dela. Os sobreiros permanecem sete anos iguais. Depois, e após o desbaste, transformam-se noutros sete anos. Dizem que são como os ciclos de vida. São como as promessas depois da sétima onda, quando os nós da fita do senhor do Bonfim se desgasta, e os milagres não se realizam. Não tem a ver com a cor da fita, se veio do Brasil ou se foi comprada no Martim Moniz, não é isso. Não tem a ver com os nós, nem com as ondas. Tem a ver com o profano, o laico e o sagradoe o rigor do anti-milagre, que não se desfaz à promessa.

 

Um dia destes disseram-me que a santa da ladeira pôs um paralítico a andar. Enfim, não se pode argumentar ou contra argumentar, com esta coisa do profano e do sagrado. Pelo menos não se deve. É o ópio do povo, e eu sei o poder do ópio e dos opiários que o Fernando Pessoa referia no oriente. No ocidente existem, aqui mesmo ao lado. Vejo-o pelos arrumadores, a quem dou cigarros e moedas, sempre. Gosto de contribuir para que se sintam bem. Sem falsos moralismos.

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