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Cardilium

Cardilium

Com a luz da lua ao invés do sol

Hoje, um sonho distante e presente pôs-se com o sol.

 

Queimou-me. A tristeza é apenas uma sensação de desconhecimento. As rugas escorrem-me pelos olhos abaixo. Mato de mim esta fantasia cristalizada. Vou acordar antes do dia romper e transformá-lo numa dádiva anti-divina. A passarada recolhe-se dos grossos pingos que do céu provêem. Antes o sol torrava. Assim estão os meus olhos pintados, de uma clara esperança transformada num escuro colorido, olharento. O deserto fascina-me. Vou até lá. O silêncio tórrido do dia e a aridez fria da noite cambaleiam nos meus sentidos. As estrelas no deserto são como pérolas, com que engrandeço um colar imaginado que devolvo. Uma duna é mais do que uma montanha e muito mais dolorosa. Subi-la, é enterrar cada passada, cada passo revoltado na areia. Subi-la, é deixar de mim toda a miséria. Todo o infortúnio, todas as oportunidades. As dunas não têm fim no Sahara. São eternas e melancólicas. Subtis e agrestes. Quentes e longínquas. Secas e amargas. Doces do tamanho do encanto. Uma febre repentina assolou-me em Timbuktu. Estive tão fora de mim por ferver. Alucinar é um estágio que guardo. A loucura já morou dentro de mim. Saiu aos poucos, sem que me desse satisfação. A loucura continua a visitar-me, “mas noutra onda”, mais respeitosa, mais delicada. Bamako ficará comigo até aos cinquenta anos, depois partirá comigo de lá, da sua própria terra excomungada. Terra banhada pelo Níger de margens negras de negros. Terra encantada de cânticos pela madrugada.

 

Ontem, um sonho distante e presente pôs-se com a luz da lua.