Parte do que me sobra
Prende-se atrás do tempo a vontade. Uma candeia mantém ténue uma luz que teima não deixar de brilhar no sopé da minha existência. Dentro de mim encoleriza-se este remorso. Prende-me, vá, prende-me. Não me prendas, não me amarres. Solta-me e solta-te de dentro de mim. Brado a ti mais que aos céus. Límpido este olhar seco e longínquo, esvai-se na ira da planície, ainda a sementeira está grávida sem se saber. Sem ela saber.
Porque não te fiz um filho?
Porque não me fizeste um filho a mim?
Esta noite, pela doçura da madrugada, embriaguei-me. Doutra forma não teria adormecido, cegavam-me os pensamentos, apertavam-me num sufoco as tuas mãos e a saudade queimava-me, a solidão esganava-me, e já não conseguia respirar. Fui salvo por três tragos de aguardente. Fiquei lúcido ao primeiro gole, os restantes foram para me confirmar. Entediado com estas palavras, deposito aqui parte do que me sobra, parte do que me falta. Eu vim de longe trazido e salvo por amigos. Já estava meio sepultado quando me acordaram e me fizeram crer, e me causaram querer. Tenho saudades de dançar uma balada e de me embalar no mar. De boiar de costas, de olhos fechados, com o peito inchado de prender a respiração, sem querer saber se a nordeste está temporal, se a sudoeste a bonança. Partem de mim milhares de rumos por hora, chegam a mim centenas de olhares que guardo, teus. Guardo.
Resguardo aquele quadro pintado na planície, defronte ao mar anil, espumado nas rochas do alto do nosso cabo.