Daqui à morte? já falta menos de metade!
Platão sim, Prozac não. Quando a vontade é grande não podem existir grandes dificuldades. A memória do futuro já me tinha dito que a comemoração da liberdade seria esvaziada e vã. Esvazia-se o conceito antes do esgotamento e do ideal. Juntam-se as partes e baralham-se as estações. O teu cheiro primaveril já não se entoa nas canções de Abril. Funestos, os cravos defloresceram antes de reflorescer a liberdade, e de ficarem vermelhos e equitativos. Entontece-me esta agonia, esta desvirtualização demorada da conquista. Entrega-se assim cinquenta anos aprisionados, desalfabetizados, perseguidos, ceifados, interiorizados, ultramarinizados, mortalizados, ensaguentados, mutilados, e historiados numa história morta de moribunda, roubada por uma economia ordenante e castradora, parida por umas coordenadas decididas e sem opinião eleitoral.
A filosofia, as pessoas, os miúdos, os velhos, a massa humana e humanizada não conta nestas contas que daí vêm e advêm.
Abril já não o é.
Abril foi suado numa jornada.
Abril morreu.
Abril foi uma oportunidade, foi passado.
Esmoreceu.
Os amantes do Abril novo são os apontados e revolucionários, já não se ecoam os arautos da liberdade.
Abril voltou atrás.
Abril afogou-se na divisão.
Abril já não é um ideal. Já não tem vida.
Abril foi esvaziado conscientemente e sobram os espoliados e os apontados.
Tenho fome e sede, de uma harmónica gritando Catarina a Grândola Vila Morena.
Tenho desejo e vontade da calmaria de uma sombra alentejana.
Dos sorrisos sérios por haver sopa e pão.
Por ter aberto mais uma escola.
Mais um hospital.
Por ter sido feita mais uma estrada.
Por haver comparticipação nos remédios e por a farmácia ir à minha aldeia, no mesmo dia da biblioteca itinerante cheia dos livros que eu já posso e sei ler.
Coisas simples e afortunosas. Coisas novas dadas por Abril, coisas velhas retiradas em Abril. As lágrimas ensopam o papel onde escrevo.
Daqui à morte? já falta menos de metade !