Rio Pranto
O rio pranto espraia-se entre verdes subidos e profundos feitos de erva, e rebenta em cascata no teu peito, foz do meu. Os teus cabelos ao vento reflectem a sombra do teu movimento. O prazer de te possuir relativiza o ferimento de não te ter. Aguardo mansamente os dias feitos de tertúlia das semanas, embriaguez e demência da viagem consumada, da planície que me leva de ti e até ti, que me eleva e tortura, que me fere e agoniza. O meu cheiro é o teu corpo enrolado no meu. Bandos de ventos agrestes sopram-me o teu nome. Pranto. Rio pranto, quero uma noite sem mágoa e madrugada, um nascer do sol sem se pôr, uma vida sem a morte e um caminho sem viagem.
Falei com uma mulher sábia, sabedora de tempo, que lê as estrelas e a chuva como se uma cartomante fosse, a Dona Nazaré.
Respondeu-me assim: - ”Pranta-lhe um xaile pelas costas e quebra de ti ao mar, agasalha-te da nortada, que a maré vai passar por aqui, a tua alma está nua, o céu calvo e adormecido, faz mezinha homem do senhor”
Os limos são escorregadios como tu. Tento apertá-los entre as mãos. Fogem-me. Foges-me. Amor descompassado e inerte. Deambulámos por tantos bairros cheios de fumo, luzes, pó, putas, polícias e rusgas. Tudo. Tudo se fez de mim e eu de tudo me fiz. De desamor, de escuridão e prisão. De amor, luz e liberdade. De procura. De encontro.
Tudo sou e de tudo me fiz, Rio Pranto.