Matei o caminho
Levantada vejo a poeira içar-se na passagem pelo trilho. Percorro os montes que me elevam íngreme, ao lugar onde sinto o mundo bem longe, onde me sinto afastado e distanciado. Amo esta serra feita de picos onde a paisagem muda e a perspectiva é incessantemente diferente. De um lado vejo o mar galgado como que assustado e apressado. Do outro, vejo o rio e as torres da basílica voltadas e erguidas para o céu. Oiço o ressoar de uma música antiga. Gosto. Declarei o meu afecto a esta música. A sua forma e plasticidade continuam actuais. As músicas que me fazem sentir emoções são intemporais. Esta é uma delas. A simplicidade é o que a torna bela. A existência feita de simplicidade é a sua complexidade.
Adorno de afectos as paredes da minha sala. Tenho fotos penduradas protegidas pelo pó. Tenho cores e estores que levanto ou baixo, mediante a luz que pretendo que governe aquelas horas da minha vida. Deposito a minha fidelidade nos momentos que traduzo em especiais. Ontem vi fotos e vivi todos esses momentos novamente. Domingo à tarde, chuvoso, invernoso e cavernoso, é um bom dia para ver fotos amalgamadas de sol, de outros países, fotos retiradas da saudade dos momentos, de pessoas, de viagens. Fotos irreconhecíveis de uma loucura crassa. Fotos partilhadas e suaves.
À noite, o mar iluminou-me de uma lua a crescente como eu que me senti em crescendo. A areia molhada pelo vento forte e o farol em rotação contínua, iluminou de repente os corpos abraçados, assim como repentinamente, a única luz que ficou, foi a da lua, resplandecendo na espuma brava das ondas, que atravessaram o oceano em direcção a mim. Não sei se molhei a cara de chuva ou de sal. Declamei um poema e matei o caminho até ao meu leito.