Jangada de pedra
A aldeia morre nas águas do rio que a viu nascer. Guadiana fora, autorizado, as casas nossas, foram substituídas pelas nossas casas. As casas nossas jamais seriam velhas. Tinham quintais empedrados e luta lá dentro. Tinham fascismo e liberdade. Era antes e pós revolução. Era Alentejo longe do mar. Tinham partos, tinham mortes. Tinham vizinhos e um relógio que se ouvia voltado ao vento norte. Tinha o rio que a viu nascer e morrer. O rio que a matou atraiçoando-a como se o senhor das terras onde as foices ceifavam a troco de nada, tivesse voltado e decidido. Povo este que de luz só tem o nome e que em nome da luz, coragem devia ser treva. Catarina tão ausente povo submisso e destinado. Sem vontade com a vontade se aguenta. Com a vontade se é solidário e se cuida dos velhos e das crianças. Catarina tão presente, Catarina tão exemplo. No meu sangue correm arrepios e extravagâncias de ver um barco à vela no meu quintal. No meu sangue a raiva sufoca-me de ver um bailado na minha janela, como Saramago adivinhou numa jangada de pedra.