Recolho-me
Minúsculas e apressadas, as pessoas passam umas pelas outras sem reparem que passam. Sem reparar que são pessoas. Fiquei ali sentado e deixei-me levar pelo movimento que me desassossega. Burburinho em contra luz, claridade e paixão. Versos aos milhares não param de me invadir o peito. Contorço-me de dor nas palavras que não me esvaziam. Um homem com trinta anos e poucos quilos parece-me doente, mas calmo. Duas mulheres em cochicho contorcem-se em conversas, risos gargalhados, olhares, e medem-se uma à outra quando se despedem. Percebo a falta de genuinidade da amizade feminina. É como se houvesse uma competição descrédula de sensibilidade.
Recolho-me.
O amor pelas coisas sonhadas são a vida, pouco importa como se alcançam, desde que se alcancem. O sonho não é a vida, mas a vida é feita de sonhos. Horas imperfeitas estas. Sou crente e não crente num deus maior e menor. Momentos existem em que por defeito existencialista ou de consciência, nos lembramos dele e nos aquietamos. A razão não tem fé.
Nesta rua solta e livre, fria e escassa como a vida, suporto o tão pouco que peço. Pego num lápis e trémulo rabisco. Desenho assim o meu peito:
O meu peito quente,
Desfalece,
E eu aqui.
Cheira a flores,
Na lezíria,
Passou um arlequim.
Reboliço nas oliveiras,
Plantadas no quintal,
É o vento bravio.
Fazendo correr a aragem,
Que refresca,
O canavial.
Inconstante a passarada,
Assobia,
Desalvoraçada.
O meu peito descontente,
E eu aqui,
Madrugada.