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Cardilium

Cardilium

...ia ao mesmo que eu

Entro na igreja fresca e sento-me apenas a olhar. Respiro o fresco que os frescos manuelinos replicam. Vou à procura de uma fé que sei existir mas que sinto ser mais do que a ironia herege que sinto. Peço um sinal, uma direcção. Castrado pela fé pecadora induzida no minúsculo ser ainda moldável, não creio no que aprendi no catecismo bizarro e pouco eloquente. Creio nos sinais já experimentados e feitos de improváveis factos e coincidências. Ali sentado e só, não me creio. Já não creio no vulcão em que o meu pensamento se tornou. Na minha existência descobri que fiz mais do que julguei conseguir realizar. Que tive forças quando me julgava exausto. Que recuperei o animo quando o desespero era predominante. Que reconquistei verbos já não conjugados. Que amei já morto de sentir. Que senti já ressuscitado momentos não escolhidos, ofertados pela hora errada e o sitio errante. Que transformei cores e tornei terra árida em terra fértil. Que me devolvi à prostituição intelectual e avassaladora de uma dependência incongruente e deformada, como se uma substância química e alienada me devolvesse à procedência, e, assim se pudesse transformar a carne em pó antes do tempo.

 

Antes do tempo?

 

Sim antes do tempo, porque tudo tem um tempo. Porque tudo tem o seu tempo. Essa medida castra e escrava. Não o entendendo ele entende-me tão bem. Os figurantes daquele altar intimidam-me, e fazem-me crer no sacrilégio que são os meus pensamentos. Os meus pensamentos sexuais. Os meus pensamentos ancestrais e de natureza humana, racionais e normais, ali expostos ao altar e ao silêncio do fresco e da humanidade, fazem de mim um monstro obsceno e por purgar. Purgo-me no purgatório que me fizeram crer, ser o meio caminho para o céu e a salvação, e que eu acredito ser a outra metade, do outro meio caminho para a perdição e o inferno.

 

Reflicto.

 

Concluo que nem eu sou tão promíscuo e desordenado, nem o inferno é tão avassalador, e assim sendo, nem o céu tão sereno. Ergo-me lentamente e solto um respirado mais que expirado momento. Levarei comigo aquele fresco que me encheu de sossego a minha loucura e a minha insanidade em doses iguais. Que me ajustou de igualdade à forma natural que é ser vivo, humano e espiritual. Senti-me igual. Na minha saída estava a entrar uma mulher. Uma mulher de negro de lenço atado à cabeça que me sorriu. Ia ao mesmo que eu, pensei. Ia ao fresco Estava de negro cálido e transparente na face. Lembrei-me das pessoas que queria abraçar em seguida e daquelas que queria que me embalassem de afagos com olhar naquele acordar sorrindo e ganho.