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Cardilium

Cardilium

Fevereiro (14)

Cá eu,

e o um dos meus outros eus,

regado de uma ironia curadora,

fiz da pertença despertencente e do final do meu dia, 

trágica grega alegria,

sem vinho que me alterasse,

ou poema que se declamasse.

Palavras, esse bem maior dos poetas e dos amantes

Porque se escolhem as palavras, se mostram umas e se ocultam outras?

Palavras levam-nas o vento, mas o vento também as devolve, e de quando em vez, de quando em quando, quase sempre ou nunca, as palavras bailam na ritmada desordem e ajuntam-se a um sentido que não escolhem, mas que quem as disse, apalavrou.

Se, ditas desalvoraçadas, têm a simbiose do desassossego, o amoroso da tempestade, a calmaria visceral do aconchego, ou a desilusão da denuncia do afecto que se esconde.

Se, ditas em forma de paz podre, em jeito de bonança latejante e ordenada pela demoníaca sede de tudo querer em jeito próprio, aí revelam-se a cada reencontro com a sintaxe.

Se, ditas com o coração, denunciam a coragem e a cobardia do entendimento subliminar da coerciva prepotência e, bastantes vezes mascaradas de amor.

Se, impensadas, soam a parvo, retardado, arrogante, manipulador, egoísta, bipolar e incompreensível. A palavra e a atitude, não existem do lado de baixo do equador, a palavra fica pelo caminho, esvaziada de conteúdo, mantendo a forma.

Depois, as palavrosas palavras, que são dolo, prazer, querer, orgasmos, vida, partida, chegada, mãos dadas, caminho, espontaneidade, palavras prazerosas, onde não cabe só um.

São palavras a dois. Gemidos a dois. Pedidos a dois. Abraços a dois. Corpos contorcidos, libido, fusão, viagem, regresso, peitos amordaçados, mãos crentes, húmidos olhares, bocas desenfreadas, o outro, línguas soltas, reflexos, gritos surdos, mudos quereres, vernáculo amantizado, e um querer que o mundo se funda em nós e o tempo se reinicie como um carrossel.

As palavras trazem-nas as bocas que querem a boca do outro, por vezes, sem quererem dizer o querem dizer, muitas vezes a expor na semântica, no vocabulário, nas figuras de estilo, na adjetivação, o que não se ouve a quem não lê nas entrelinhas.

Enfim, palavras, esse bem maior dos poetas e dos amantes.

 

Vagabundemundo

Vagabundemundo,
a arte de vagabundear peito afora,
e entreter o peito,
com os cheiros das ruas,
das flores de pétalas coloridas,
de rostos fartos de fome,
de lábios sedentos de beijos,

entretanto,
os senhores engordados pelo capitalismo,
encostam à parede padecendo de seu próprio medo que se lhes acabe a fortuna,
os que não são de cá,
como se não fossem humanidade e mundo,
e a nacionalidade apátrida não fosse uma nação.

Vamo-nos abraçando. Humanamente!

Mundo (s)

Sou outro mundo e este, 

esta vida, 

erros e acertos,

primavera de dezembros,

abril por celebrar,

em cada dia me entendo,

em cada noite me ausento.

 

Azáfama do anonimato

Depois da azáfama inglória de ser anónimo,

somou-se ao tempo, dádiva,

entendi nos dias o lamento,

e na mais perfeita clareira fiz-me companhia,

junto de quem sempre esteve.

 

Regressei.

 

Somos três,

por vezes quatro,

quando um de nós se recorda.