Chão que cede
" ... Empanturrado, esperava que a coragem me forçasse a sair rapidamente dali, a repugnante e réptilinea observação que me tinham acabado de fazer, não cabia no meu corpo todo.
Empanturrado, era o melhor termo que me ocorria para descrever aquela mísera fartura agonizante e desconhecida.
Apenas recordava o peso das palavras e a má disposição repentina que me tinha feito falecer por segundos. Que sossego falecer um bocadinho.
Não associei de imediato o quanto o meu corpo me tinha denunciado, só mais tarde e num rasgo lúcido e angustiado, entendi o enfartamento de tantas palavras envenenadas.
Ensanguentado, limpei as mazelas que mais tarde sabia sararem. Forcei levantar-me, respirar fundo e acreditar na negra mulher que oscilava ao vento.
Ao longe, uma melodia chegava-me, voltei a encantar-se com um poema que me saiu pelos poros e, decorei-o.
navio solto neste mar adocicado de sonho,
sem sal que me salgue o sangue,
sem vento,
sem nada que retire ou acrescente,
pobres os meus olhos que me chegam cegos,
rico o meu chão que me cede e segue ..."